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A HISTÓRIA CONTURBADA DA PRIMEIRA GRANDE EMPRESA DE NAVEGANTES     

Quase 40 anos antes da Portonave se instalar em Navegantes, outra grande empresa também chegava para marcar a história do município. A Sociedade Industrial Pesqueira (SIP) prometia ser uma das maiores empresas no setor pesqueiro do Brasil. Mesmo tendo entre os acionistas a Johnson & Johnson e Volkswagen, a SIP ficou só na promessa. A coluna “Outros quinhentos” conta a trajetória conturbada da primeira grande empresa de Navegantes. 

POR ROGÉRIO PINHEIRO

A história da SIP começa em outubro de 1965, quando os engenheiros franceses Henry René Jules Cavalier, Jean Pierre Claude Perié e o engenheiro brasileiro Geraldo Rezende Martins, fundam a SIP. Um ano depois, eles conseguem aprovar pelo Banco Regional de Desenvolvimento Econômico (BRDE), um empréstimo de 1 bilhão e 335 milhões de cruzeiros para o projeto da nova empresa.

Em fevereiro de 1967, a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) lançou um programa para incentivar o setor pesqueiro no país. Assinado pelo presidente Castelo Branco, o Decreto-Lei 221 de 28 de fevereiro de 1967 autorizava empresas a deduzir 25% do imposto de renda para aplicá-los em projetos da Sudepe (compra de ações). O decreto liberava ainda isenções de impostos e facilitava financiamentos.

O primeiro projeto beneficiado pelo Decreto-Lei 221 foi o da SIP. Quando foi fundada em 1965, a empresa tinha um capital de NCr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros novos), aumentando para NCr$ 535.000,00, em novembro de 1967. Em 1968, o capital da empresa chegou a NCr$ 2.120.000,00, com a entrada de NCr$ 1.585.000,00 dos contribuintes do imposto de renda. A SIP chegou a ter 850 empresas investidoras, entre elas as multinacionais Volkswagen e Johnson & Johnson.

Anúncio publicado no jornal “Correio Mercantil” sobre a SIP, que buscava mais empresas para investirem no setor pesqueiro de Navegantes. Crédito: Biblioteca Nacional

Ainda em julho de 1967, a empresa começou a construção do seu do parque industrial, no bairro Machados. Mais de 150 operários trabalharam nas obras. Foram investidos NCr$ 700 mil, sendo NCr$ 500 mil de empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e NCr$ 100 mil do BRDE. Os outros 100 mil foram levantados com recursos dos acionistas. Depois de dois anos, o parque industrial foi inaugurado e a produção de peixes enlatados começou.

Vice-presidente barrado na porta da empresa

Após a inauguração, uma disputa entre os acionistas pelo controle da SIP dividiu a empresa. No dia 17 de maio de 1969, um sábado, às 14h, foi realizada uma assembleia geral extraordinária em Navegantes. A reunião foi marcada depois que o diretor administrativo da SIP, Antônio Costa Pinto, foi impedido de entrar na sede social da empresa, em São Paulo, pelo diretor vice-presidente, Jean Pierre Claude Perié.

Quando chegou no bairro Machados, em Navegantes, na tarde daquele sábado, Henry René Jules Cavalier e os outros acionistas foram impedidos de entrar na empresa pelo funcionário Jean Claude Viaud. Viaud, francês naturalizado brasileiro, disse que a ordem de barrar a entrada na empresa de Henry e dos acionistas foi dada pelo diretor vice-presidente, Jean Pierre Claude Perié. Pelo estatuto da empresa,  com a ausência do diretor presidente da SIP, Olímpio Tabajara, o diretor vice-presidente, Henry Cavalier, assumiria a presidência.

Revoltado com a decisão de Perié, Henry chamou o delegado de Navegantes e um tabelião para que testemunhassem a ação do diretor vice-presidente. Além de Cavalier, também foram barrados no portão da empresa os acionistas, Antônio Costa Pinto, Jehan Cavalier e Marthe Corine Dubois Cavalier.

Sem condições de fazer a assembleia no meio da rua, todos seguiram para a sede da Prefeitura de Navegantes, onde foi disponibilizada uma sala para os acionistas da SIP. Durante a reunião, Henry Cavalier provou que ele e Marthe possuíam mais de 50% das 488.000 ações da empresa e, portanto tinham o controle acionário da SIP. Henry tinha 92.150 e Marthe a maior quantia, 155.000 ações.

Com a saída da antiga diretoria e com uma nova moeda no Brasil, do cruzado-novo (NCr$) para o cruzeiro (Cr$), a SIP investiu Cr$ 15.033.23,00 para reformulação do projeto industrial, sendo Cr$ 11.274.927,00 do imposto de renda deduzido das empresas. Parte desse valor foi para a compra de um barco, que foi o primeiro de uma futura frota própria. Além de outros barcos fretados, a empresa recebia pesqueiros argentinos, que vendiam pescados para a SIP.

Da promessa à falência

Apesar dos investimentos, a empresa já enfrentava graves problemas financeiros antes mesmo da saída dos dois principais acionistas, Henry e Marthe Cavalier, em 1970. A nova diretoria da SIP precisou reformular o projeto, em 1971, para evitar a falência da empresa naquele ano. Falta de salas de manipulação e principalmente a ausência de uma frota pesqueira própria foram alguns dos problemas enfrentados pela SIP no seu primeiro ano.

Além de solucionar esses problemas, a empresa precisava também aumentar a capacidade de estocagem de 280 para 1.500 toneladas/mês, aumentar a produção diária de 50 para 100 toneladas de gelo e expandir o cais de 50 para 120 metros para a descarga automática do pescado.

Com a saída da maioria dos acionistas em 1972, a SIP ficou sem recursos para implementar as mudanças necessárias. Não restou outro caminho para a diretoria da empresa se não pedir a concordata. O deferimento do pedido de concordata preventiva foi publicado na edição de 17 de junho de 1972, do Jornal do Comércio.

 SIP foi inaugurada no dia 28 de março de 1969. A empresa prometia ser uma das maiores do setor pesqueiro do Brasil, mas faliu cinco anos depois. Crédito: Jornal A Nação/Biblioteca Nacional

O pedido de concordata foi deferido pela justiça, mas isso não evitou a falência da SIP. Em janeiro de 1974, os bens da empresa foram bloqueados para o pagamento de dívidas, entre elas os salários e direitos trabalhistas dos funcionários. A empresa devia para muita gente e o que chamou atenção foi uma dívida de quase 500 mil cruzeiros para uma agência de viagens. Essa agência de viagens era a maior credora da SIP.

Em 1977, o Jornal do Brasil denunciou a farra dos recursos públicos pagos para as empresas de pesca pela Sudepe. Segundo o jornal, o Decreto-Lei 221 afastou investidores sérios e atraiu muitos aventureiros, que aproveitaram a falta de fiscalização da Sudepe para ganhar dinheiro fácil. Outra falha da autarquia Federal, que era subordinada ao Ministério da Agricultura, foi não ter pedido contrapartida alguma para as empresas, inclusive a empresa de Navegantes.

Em resposta a reportagem, a Sudepe alegou que a SIP faliu devido a questões pessoais entre os diretores e acionistas da empresa: “componentes do grupo não foram capazes de superar dificuldades oriundas de atritos e desentendimentos, a empresa enfrentou crescentes dificuldades e foi à falência.”

Ainda segundo o jornal carioca, o parque industrial da SIP foi vendido por decisão judicial e não cabia intervenção do Governo Federal. Em 1975, o empresário Orlando Ferreira, proprietário de uma empresa de pesca em Itajaí, arrematou em um leilão judicial, o parque industrial e transferiu a Ferreira Mercado de Pescados (Femepe) para Navegantes. A Femepe também foi uma das empresas beneficiadas com o Decreto-Lei 221 da Sudepe. Em 2011, a empresa foi vendida e hoje pertence à Camil Alimentos.


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