COLUNA: Outros Quinhentos – Por Rogério Pinheiro
Após uma enchente sempre aparece um projeto para atenuar os efeitos ou mesmo para acabar de vez com as cheias no Vale do Itajaí. Pelo menos é assim desde o século passado. É certo que algumas iniciativas, por exemplo, a construção de barragens e a criação das defesas civis municipais, ajudaram a diminuir os impactos, mas outras ideias nunca saíram do papel. Algumas necessárias e outras polêmicas. A coluna “Outros quinhentos” conta um desses projetos polêmicos que pretende dividir Navegantes ao meio para a construção de um canal extravasor e transformar a cidade em uma ilha. A justificativa é que o canal pode resolver definitivamente as enchentes em Itajaí.
Depois das enchentes que assolaram o Vale do Itajaí em 1983 e 1984, a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Japan International Cooperation Agency – Jica) realizou um estudo para reduzir os impactos das cheias do rio Itajaí-Açu. Entre as medidas propostas pelos técnicos japoneses estavam a construção de novas barragens, diques e a criação de um canal extravasor, que desviaria parte das águas do rio Itajaí-Açu para o rio Piçarras.
O projeto previa a desapropriação de terras em Gaspar, Ilhota, Itajaí, Navegantes, Balneário Piçarras e Penha para criação do canal, que seria um braço do rio Itajaí-Açu. O canal possibilitaria o escoamento mais rápido das águas durante as enchentes para o rio Piçarras, que deságua no mar, entre as cidades de Balneário Piçarras e Penha. Com a resistência da Prefeitura de Piçarras, que não aprovou o projeto, o canal extravasor foi deixado de lado.
Em 1988, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) firmou um acordo com a Jica para confeccionar um novo projeto de contenção de cheias no Vale do Itajaí. Com base nos primeiros relatórios produzidos pelos técnicos da Jica ainda na década de 1980, o governo de Santa Catarina elaborou o Plano Global e Integrado de Defesa Contra Enchentes (Plade) e resolveu retomar o projeto do canal extravasor, que só começou a ser discutido seriamente na década seguinte.
Canal extravasor
O Plade foi substituído pelo Plano Integrado de Prevenção e Mitigação de Riscos de Desastres Naturais na Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí (PPRD-Itajaí). O objetivo era elaborar um plano para contenção de cheias e eliminar futuros danos ambientais, a exemplo das enchentes que assolam com frequência o Vale do Itajaí. Em 1992, o governo do Estado retomou em definitivo a ideia do canal extravasor para combater as enchentes.
Com o valor estimado em R$ 500 milhões, o canal extravasor está previsto para ser construído na jusante da ponte sobre a rodovia BR-101 até ao bairro Meia Praia, em Navegantes. O novo braço do rio Itajaí-Açu teria 125 metros de largura, 10 metros de profundidade e uma extensão de nove quilômetros. Na Meia Praia, onde o canal desaguaria, dois molhes seriam construídos com um quilômetro de extensão.
Pelo projeto da Jica, o canal extravasor possibilitaria atenuar a profundidade e tempo de inundação das cheias em Itajaí e também na cidade de Gaspar. No estudo dos técnicos japoneses, está prevista a construção de uma barragem no rio Itajaí-Mirim. O canal teria a capacidade de escoar 1.600 metros cúbicos de água por segundo. Além do canal, o projeto japonês também inclui a construção de nove barragens, remoção de moradias nas margens do rio e de um sistema de contenção de encostas. A previsão é terminar com as enchentes no Vale do Itajaí em 50 anos.
Canal pode trazer danos ambientais
Apesar de a Jica apresentar o canal extravasor como alternativa para acabar com as enchentes em Itajaí, o projeto foi criticado por não ter um estudo mais detalhado sobre os impactos ambientais e socioeconômicos. Além disso, nunca foi apresentado um estudo mais aprofundado que garanta que a obra resolverá o problema das enchentes em Itajaí. Outra falha apontada no estudo da Jica foi a não participação dos municípios da bacia hidrográfica do rio Itajaí-Açu nas discussões relacionadas à execução do projeto.
Em maio de 1994, um grupo de técnicos da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Universidade Regional de Blumenau (Furb) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realizaram um seminário, onde apresentaram um estudo preliminar dos impactos ambientais e socioeconômicos do canal extravasor. Um dos grandes desafios do projeto, segundo o estudo, é o destino de todo o material escavado para a construção do novo braço do rio. O projeto prevê que os 11 milhões de metros cúbicos de terra fossem depositados junto às margens do rio Itajaí-Açu, medida que contraria uma determinação internacional que protege áreas ribeirinhas.
O grupo de técnicos das três universidades advertiu ainda que existe a possibilidade que a nova foz do rio no bairro Meia Praia provoque um recuo de 20 metros da linha costeira da praia do Gravatá (lado norte do molhe) no prazo de 10 anos e um avanço de 30 metros na praia de Navegantes. Outro temor é que o canal extravasor aumente a taxa de assoreamento na foz do rio Itajaí-Açu e prejudique a atividade portuária.
O parecer do grupo de estudo recomendou que é preciso mais pesquisas para que um plano de defesa contra enchentes não acabe se tornando um problema ambiental e prejudique o turismo da região. O mesmo motivo fez com que a Câmara de Vereadores de Navegantes na época emitisse pareceres contrários à obra. A justificativa do legislativo navegantino foi que o canal extravasor pode comprometer o turismo e a economia da cidade.
Governo do Estado
Em 2020, o assunto voltou a ser discutido e o município novamente se posicionou contra o projeto. A Defesa Civil de Navegantes alertou para o risco de inundações para algumas localidades do município, como Meia Praia e região do Aeroporto, que não são tão altas em relação ao nível do mar. Já a Fundação Municipal do Meio Ambiente afirmou que o impacto ambiental vai ser grande.
Segundo o órgão ambiental de Navegantes, o projeto não destaca os impactos de intervenção da obra, como os resíduos sanitários e urbanos que serão trazidos até a praia, afetando diretamente a balneabilidade, a vida marinha, a restinga e a biodiversidade existente naquela região. No local onde desaguará o canal está localizada uma das maiores concentrações de vegetação de restinga, que serve como barreira natural contra as ressacas. Outro risco é a diminuição da faixa de areia na região de Meia Praia e Gravatá.
Apesar de polêmico, o canal extravasor de Navegantes continua nos planos do governo do Estado, mas por falta de recursos o projeto ainda não saiu do papel. Com as recentes enchentes no Vale do Itajaí, o assunto voltou a ser discutido este ano, bem como o polêmico projeto que pode futuramente transformar Navegantes em uma ilha.