Por Rogério Pinheiro – Coluna Outros Quinhentos
Quem passa pela avenida João Sacavém, esquina com a rua João Emílio, no centro de Navegantes, já deve ter visto o prédio onde funciona a loja da Tim. Mas poucas pessoas sabem que o mesmo edifício sediou um cinema na década de 1950. A coluna “Outros quinhentos” desta semana conta a história do Cine Navegantes.
O primeiro cinema do município surgiu por iniciativa de José Silvestre Toledo dos Santos. Zé Toledo como era conhecido, nasceu em Brusque, mas se estabeleceu em Navegantes como comerciante. Após trabalhar com gado, torrefação de café, ele decidiu abrir um cinema. O prédio começou a ser erguido em 1957 e levou dois anos para ficar pronto.
O projetor foi comprado por intermédio do filho do dono do Cine Luz, um dos três cinemas de Itajaí na época. Zé Toledo convidou o cunhado, João Osvaldo Müller, o Congo, na empreitada. Congo ficou responsável pelo projetor. Zé Toledo e o cunhado não tinham experiência alguma no assunto.
No dia do lançamento o cinema ficou lotado. Não sobrou um banco de madeira livre e muitas pessoas ficaram de pé. O filme que inaugurou o Cine Navegantes foi “Tico-Tico no Fubá”, de 1952. O longa-metragem protagonizado por Anselmo Duarte, retrata a biografia romantizada e ficcional do compositor Zequinha de Abreu, autor do clássico “Tico-Tico no Fubá”, uma das músicas brasileiras mais tocadas no exterior.
– Lotou no primeiro dia. Eu acredito que deu em torno de 100 a 150 pessoas, sentadas e em pé. Na abertura foi “Tico-Tico no Fubá”, de Zequinha de Abreu. Depois vieram as séries e os filmes americanos. Por um tempo e por exigência dos marítimos, começaram a pedir para o pai, filmes para adultos – lembra o filho de Zé Toledo, Lauro José Toledo dos Santos, 73 anos.
O sucesso foi tão grande que fez os moradores de Penha pedirem ao proprietário do Cine Navegantes, que os filmes fossem projetados no município vizinho. Zé Toledo alugou um prédio na Armação e com ajuda de Congo as projeções eram feitas a cada 15 dias para a diversão dos moradores de Penha.
Lauro conta que a preferência na época era pelos filmes de faroeste.
– A piazada assistia bang-bang. Era época de faroeste e Tarzan. Filmes de Durango Kid e Roy Rogers. Eu era vidrado em séries de faroeste – recorda.
Quem também frequentou o Cine Navegantes, foi a professora Vilma Rebello Mafra, 73 anos.
– Entre dez ou 11 anos eu conheci o cinema do Zé Toledo. Eu ia sempre à noite com o meu pai. Minha mãe não gostava, minha mãe meio que menosprezava. Ela dizia que se quisesse ver um filme, ia ver um filme em Itajaí. Não eram filmes da época, passava mais filmes antigos – explica.
Ir ao cinema na época, segundo dona Vilma, seguia uma formalidade, principalmente no vestuário.
– Ir ao cinema naquela época era como ir hoje para uma formatura ou um casamento. A gente colocava uma meia fina, uma roupa muito boa. Era uma formalidade – completa.
Durante o tempo que existiu, foram centenas de filmes projetados. Filmes que chegavam pelos correios em latas lacradas do Rio de Janeiro. Depois de um tempo em cartaz, os rolos eram devolvidos. O Cine Navegantes sobreviveu até a década de 1960, quando viu seu movimento cair drasticamente. A concorrência com os três cinemas de Itajaí era muito forte. No lugar do Cine Navegantes, Zé Toledo abriu um restaurante.
Um empreendedor nato
Se existiu uma pessoa empreendedora em Navegantes, essa pessoa se chamava Zé Toledo. Sempre com uma ideia na cabeça, ele fez quase de tudo e sendo pioneiro em muitas delas. O primeiro ponto de táxi, a primeira torrefação de café, o primeiro açougue e é claro o primeiro cinema. Além disso, Zé Toledo foi fundador do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em Navegantes e chegou mesmo a se candidatar a prefeito em 1976, eleição vencida por João José Fagundes.
Segundo Lauro, o primeiro negócio do pai foi com gado, que ele trazia de Lages.
– Ele era um grande “picador”. Ele picava o gado e vendia. Não era um açougue. O açougue tradicional é no varejo e o dele era no atacado. Ele pegava o gado, fazia o picador e distribuía a carne. Depois teve o Café Predileto. Ele vendia o café em pacote de 5 quilos em Navegantes e região. Isso em 1948. Ele montou depois do Café Predileto uma indústria de açúcar mascavo – lembra.
Vizinhos durante oito anos, dona Vilma conta outra característica marcante na personalidade de Zé Toledo.
– Era uma pessoa generosa. No mês de outubro, ele ficava a serviço das escolas e transportava no seu caminhão as crianças para o piquenique e fazia tudo de graça. Quem arrumava tudo era a esposa professora (Maria Ivone Müller dos Santos, a dona Vanda). Chegava domingo, ele levava as crianças para a catequese aqui do Centro para São Domingos e de São Domingos para o Centro. A esposa, a Vanda, era a alma da casa e ele a respeitava muito – ressalta.
Para Lauro, a maior lição que fica do pai, que faleceu no dia 19 de outubro de 1989, aos 75 anos, é a resiliência.
– Eu nunca vi um homem com tanta disposição para o trabalho. Deixou de ensinamento também a proteção à família. Meu pai foi um homem diferenciado. O que não ajudou foi a época que viveu. Hoje, ele seria um puta de um empresário. Se tivesse vivo, ele estaria inventando alguma coisa.
