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A TRAGÉDIA QUE ABALOU NAVEGANTES EM 1977

Molhe 1977 em Navegantes

Desde que Navegantes se emancipou de Itajaí em 1962, seus moradores testemunharam muitas histórias. Algumas alegres e outras nem tanto. Uma delas abalou a cidade e é lembrada até hoje, a do naufrágio do barco “Dominante”.

No dia 6 de setembro de 1977, às 2h40, o barco pesqueiro naufragou ao entrar na Barra. Dos 14 pescadores a bordo, apenas dois sobreviveram, Francisco Barreto dos Santos, 29, o Bahia, e Ivo Teodoro, de 25 anos, conhecido como Alemão.

A história do Dominante e de seus 14 tripulantes é o tema da coluna “Outros quinhentos” desta edição.

Na tarde do dia 5 de setembro de 1977, uma segunda-feira nublada e fria, o Dominante deixou o trapiche de uma empresa de pesca de Itajaí em direção à Barra Velha. Apesar de o mar estar um pouco revolto, não chovia ou ventava forte.

Por volta de 1h, da terça-feira, dia 6 de setembro de 1977, a tripulação se preparou para voltar para Itajaí. Além de três toneladas de gelo, a traineira levava também 1.500 quilos de sardinha.

– Assim que cerquei o peixe (sardinha) começou a bater o vento. Fizemos a pescaria e voltamos. Já na Ponta de São Miguel (Penha) o mar ficou bravo e começou a chover – lembra Francisco Barreto dos Santos, conhecido popularmente como Bahia.

Ivo Teodoro, o Alemão, no Hospital Marieta em Itajaí, em 1977. 

Além do Dominante, outras embarcações entraram ao mesmo tempo na Barra naquela madrugada. Em entrevista ao jornal paranaense Correio de Notícias de 9 de setembro de 1977, Ivo Teodoro, o Alemão, disse que na cabine de navegação estavam ele, Francisco, Ademar dos Santos e o mestre Eustáquio Fernandes, ou Pivete como era chamado pela tripulação.

Alemão gritou para o mestre que estava na hora de entrar na Barra. Pivete chegou em seguida e os dois trocaram de lugar. Na reportagem, ele disse que viu uma onda gigante vindo em direção do barco. A onda atingiu o convés, que quebrou com o impacto. O barulho acordou todos os tripulantes e em questão de segundos o barco virou. Bahia foi um dos pescadores que despertaram com o barulho.

Francisco Barreto dos Santos, o Bahia, no Hospital Marieta em Itajaí, em 1977. 

– Quando estava já próximo da Barra, uma onda quebrou no convés. Era 2h40. Eu dormia no beliche quando escutei um barulho forte como de uma bomba. Acordei e não me lembro de nada. O Ivo estava no beliche de cima. O barco adernou primeiro e depois que foi para as pedras (Molhe Norte) – recorda.

Madrugada de terror

Com exceção de um pescador que ficou preso no barco, todos conseguiram pular no mar. Bahia ainda viu pela última vez seus companheiros, que se agarraram nas redes de pesca.

– Os outros se agarram nas redes. As cortiças das redes boiaram e eles se seguraram nelas. Eu gritei para eles largarem as redes por que iam morrer se ficassem ali. Veio a primeira onda, a segunda e a terceira. Todos sumiram. Eu preferi nadar – conta.

 Em entrevista ao mesmo jornal Correio de Notícias, mas do dia 7 de setembro de 1977, Alemão disse que também viu os outros pescadores agarrados nas redes de pesca. 

– Aí começou uma luta dramática para alcançarmos um dos Molhes. Pude ver ainda quando seis dos nossos companheiros desesperados submergiam, enroscados numa das redes de pesca – relatou Ivo ao jornal paranaense.

Resgate foi feito pelos homens-rãs do Corpo de Bombeiros

No mar, com ondas de três metros, vento forte, chuva e frio, Bahia e Alemão tentaram se salvar. Eles nadaram no meio da escuridão.

– Eu não tinha noção do lugar que estava e onde ficava a praia. Nadei por muito tempo e aconteceu um repuxo e voltamos de novo. Encontrei um estrado e tentei me apoiar nele. O Ivo estava perto de mim e a gente gritava um para o outro, mas chegou uma hora que ele sumiu – lembra Bahia, que não conseguiu conter as lágrimas.

Ele contou que a promessa feita quando lutava para sobreviver no mar deu forças para chegar até a praia.

– De todos, eu era o que tinha menos chances de sobreviver. Eu tinha saído do hospital há oito meses. Tinha problema na coluna, nas mãos e estava fazendo até fisioterapia. Nem era para estar no barco. Nadei e por muitas vezes pensei que não ia conseguir. Pensava o tempo todo no meu filho que tinha nascido dois dias antes. Prometi que ia voltar para ajudar a criar ele – disse o sobrevivente aos prantos.

 Além de Ivo, 25 anos, Francisco, 29 anos, Ademar dos Santos, 29 anos, e do mestre Eustáquio Fernandes, 28 anos, estavam no barco, Gualberto Ferreira, Nemésio dos Santos, Lauro Fonseca, Manedis Nicolau, 40 anos, Eli (José) Ramos, 27 anos, Valdir Teixeira Filho, 24 anos, Valvitor Flores, 16 anos, Ivan Borges, 18 anos, Adírson Mina, 38 anos, e um pescador não identificado.

Dos 12 pescadores mortos no naufrágio do Dominante no dia 6 de setembro de 1977, os corpos de Ademar dos Santos e Valdir Teixeira Filho nunca foram encontrados.

Velas acesas no Molhe

Assim que souberam da tragédia, dezenas de moradores de Navegantes e região correram ao Molhe para acompanhar o trabalho de resgate, que foi feito pelos homens-rãs do Corpo de Bombeiros. Muitos desses moradores eram parentes ou amigos dos pescadores desaparecidos.

A tragédia mobilizou todo o município. O Molhe virou uma procissão de moradores que acompanhavam o resgate dos pescadores durante o dia e noite à luz de velas, a maioria do bairro São Pedro, o Pontal como é conhecido.

Naufrágio levou uma multidão ao Molhe. Vigília durou vários dias e era feita à noite e à luz de velas

O jornal Correio de Notícias do dia 7 de setembro de 1977 relatou o drama da família do jovem Valvitor Flores, no Pontal.

“Na casa do menor, a consternação era flagrante e sua mãe, Maria Pinto Flores (in memoriam) necessitou assistência médica ao ser acometida de crise nervosa.”

Outro morador do Pontal, Manoel Avelino Eleutério, o seu Maneca, de 73 anos, soube do naufrágio ainda na madrugada naquele dia 6 de setembro de 1977.

– Um dia antes o mar estava mansinho. Saímos para pegar sardinha junto aos barcos. Naquele dia a gente ia para o mar pescar camarão. Às três horas da manhã soubemos da notícia e aí voltei para casa e contei para tudo mundo. Corri na Barra, estava cheio de gente, o barco batendo na pedra, nós procurando alguém para ver se achava né. Só dois bateram na praia. O Bahia tava na praia e o Alemão saiu tudo cortado porque o mar jogou ele nas pedras – lembra seu Maneca.

Quem também recorda daquele dia é Ronaldo José Mafra, 53 anos.

– Eu me lembro tão bem como fosse hoje. Foi muito triste mesmo. De manhã, quando cheguei na praia eu vi, o botijão de gás, as panelas e os remos – disse.

Outra cena que impressionou Ronaldo foi as velas acesas no Molhe.

– O que me chamou muita atenção também foi o pessoal com vela acesa dentro dos vidros de conserva por causa do vento. Era assim, 30 a 40 velas acesas pelo Molhe afora e as mulheres chorando. Muitas mulheres rezando, ajoelhadas nas pedras. Eu lembro que tava preparadinho para a marcha de Sete de Setembro e aquilo era a nossa alegria. A gente se preparava o ano todo para a marcha e não teve, não teve aula – lembra o morador do Pontal, que em 1977 tinha apenas 8 anos.

Pescador perdeu o barco e se salvou

A história do naufrágio também esconde muitas outras de sorte e fatalidade. Dois pescadores, um deles o cozinheiro, não embarcaram no Dominante no dia 5 de setembro de 1977. A história de um desses pescadores, conhecido apenas pelo primeiro nome de Pedro, é contada pelo seu Maneca.

– Quando eu soube da notícia, saí correndo para avisar o pai dele lá na Sacavém (Avenida João Sacavém). Eu chamei pelo seu Dedeco. O tal de Pedro também estava embarcado e fui lá avisar o pai dele que o filho tinha morrido. Bati na janela e ele (Pedro) abriu a janela. Eu perguntei, tu não foi para fora? Ele respondeu que tinha perdido o barco – conta o pescador.

Se os dois pescadores tiveram muita sorte naquele dia, o mesmo não se pode dizer do pescador desconhecido que embarcou no Dominante horas antes dele sair de Itajaí.

O Jornal do Brasil do dia 7 de setembro de 1977 trouxe algumas informações sobre o pescador desconhecido. Segundo uma testemunha ouvida pelo periódico carioca, o jovem era natural de São Francisco do Sul e pediu uma vaga no barco ainda na segunda-feira.

Bahia disse que o pescador tinha deixado o Rio Grande do Sul por causa do mau tempo. Ele foi o único que não conseguiu sair do barco.

– Ele já tinha embarcado no Rio Grande do Sul e o barco que estava havia entrado água. Ele veio para Santa Catarina para escapar do mau tempo no Rio Grande e aconteceu isso. Nós ouvimos ele gritando, mas não deu para fazer nada – lamenta.

Viagem irregular

Segundo a Capitania dos Portos de Itajaí, o barco não tinha autorização para sair naquele dia 5 de setembro de 1977 e nem seguro. O vento forte e a previsão de ressaca no litoral catarinense fez Capitania dos Portos proibir as saídas e entradas de quaisquer tipos de embarcações na Barra.

Ignorando o aviso, o Dominante saiu na tarde daquela segunda-feira. O alerta de mau tempo foi elaborado pelos técnicos da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), que recomendou o fechamento do Canal da Barra.

Francisco está hoje com 74 anos e mora na Penha

Em entrevista ao Jornal Correio de Notícias, Dauri Monteiro, comandante da Capitania dos Portos de Itajaí, disse também que o barco naufragado utilizou um passe obtido duas semanas antes e até então não utilizado, burlando assim as autoridades encarregadas da fiscalização.

Segundo ainda a Capitania dos Portos, o Dominante tinha cerca de 30 anos e esteve em reparos em um estaleiro antes do naufrágio. Em 1976, o barco chegou a ficar encalhado em uma praia de Navegantes.

Bahia discorda da declaração feita pelo comandante da Capitania dos Portos de Itajaí na época. Segundo ele, ninguém foi avisado do mau tempo.

– Ninguém sabia de nada. Não foi só o Dominante que foi para fora naquele dia, outros barcos também foram. Depois que acontece a tragédia é fácil dizer que avisaram. Se estava proibido por que não colocaram uma equipe na Barra para impedir a saída dos barcos – desabafou o sobrevivente.

Depois do naufrágio, Francisco não desistiu da pesca e trabalhou embarcado até 1985, quando entrou na Femepe, hoje a Camil Alimentos. Ainda na década de 1980, Bahia seguiu a profissão de mergulhador até a sua aposentadoria há quatro anos. Ele tem hoje 74 anos e mora na Penha.

Já o paradeiro de Ivo Teodoro é desconhecido. A última informação que se tem é que ele frequentava o Mercado do Peixe de Itajaí. Segundo alguns funcionários do Mercado, Alemão chegou a trabalhar como vigia em empresas de pesca e também já estava aposentado.


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