A coluna “Outros quinhentos” conta nesta edição a trajetória do “Estrelinha do Mar”, um dos blocos carnavalescos mais tradicionais de Navegantes. Depois de oito anos sem desfilar, o bloco do bairro São Pedro, o Pontal, está de volta na avenida e pronto para reescrever a sua história.
Uma história que começa em dezembro de 1982. A ideia de criar um bloco para brincar o carnaval de Navegantes surgiu com o comerciante Manoel Mafra Filho (in memoriam). Léca, como era conhecido no Pontal, tinha um pequeno bar e nesse espaço organizava bailes de carnaval.
– Seu Léca tinha uma visão bem a frente do seu tempo. Com o intuito de movimentar o bar e promover diversão para os moradores também fazia campeonato de futebol. Ele tinha o time do Léca. Como o espaço do bar já estava pequeno, ele construiu um salão nos fundos da sua casa e daí em dezembro de 82 surgiu a ideia, junto com alguns amigos. Assim nasceu o Estrelinha do Mar, nome escolhido por ser formado por crianças na sua maioria filhos de pescadores do bairro São Pedro – explica a ex-presidente do bloco, Maria Olívia Emílio Baltazar.
Já no primeiro desfile do carnaval de Navegantes, em 1983, o Estrelinha do Mar estreou com o pé direito. O bloco do Pontal foi campeão no desfile organizado pelo Departamento de Turismo de Navegantes, que era dirigido por Adolfo José da Luz, o Carecão (in memoriam).
– Nessa época o saudoso Carecão organizou o primeiro desfile de carnaval de rua em fevereiro de 83 e o Estrelinha foi campeão. Seu Léca morreu em janeiro de 91, e coube ao Vagner Rosa levar o bloco para a avenida e ficou na presidência por mais dois anos – esclarece.
Segundo a ex-presidente, o Estrelinha foi pioneiro no carnaval de Navegantes e desfiou em outras cidades.
– Foi o primeiro bloco a desfilar com porta-bandeira e mestre-sala e a trazer uma comissão de frente para a avenida. O Estrelinha sempre foi destaque por ser convidado para desfilar em outras cidades como Jaraguá do Sul, Bombinhas, Porto Belo, Blumenau, Balneário Camboriú e Itajaí – conta.
Ainda nos anos 80, o Estrelinha recebeu a companhia dos blocos D´Amizade e Cara & Coragem, além da escola de samba Unidos de São Domingos, que foi fundada dois anos antes do bloco do Pontal, em 1980.
Nos anos 90, o Estrelinha do Mar ficou um tempo sem sair. No começo dos anos 2000, a família Emílio que acompanhava o bloco desde a sua fundação com o seu Léca, assumiu o comando do bloco. O irmão de Maria Olívia, Carlos Alberto Emílio, o Calinho, decidiu resgatar a história do Estrelinha do Mar.
– Em 2001, o Calinho percebendo a necessidade do resgate da cultura do nosso bairro e com interesse em promover ações sociais por meio da interação de toda comunidade trouxe de volta o Estrelinha para a avenida já com composição de samba enredo próprio – ressalta.
Além do samba enredo próprio (antes todos os blocos de carnaval de Navegantes utilizavam música de uma escola de samba do Rio de Janeiro), os carros alegóricos vieram para a avenida com a assinatura do irmão. Calinho era um artista nato e suas esculturas admiradas por onde os carros alegóricos desfilavam.
– Além do desfile no carnaval, o Calinho junto com a família se preocupavam em promover ações que envolvesse a família toda para que não faltassem componentes nos desfiles, já que o carnaval de Navegantes chegou a ter 6 blocos organizados e aqui no bairro São Pedro tínhamos 3. Criou a escolinha de percussão, grupo de gestantes, grupo de boi de mamão, festas juninas, entre outros – relata.
Ela disse que o convívio com os blocos sempre foi pacífico e com muito respeito.
– O Estrelinha sempre foi um bloco carnavalesco diferenciado, admirado e respeitado. Eu acredito que isso se deve ao respeito como nossa base. Sempre buscamos atender todos com carinho e isso reflete no carisma que conquistamos com o tempo. A alegria sempre foi nosso principal orgulho e o coração do bloco. Nossa bateria sempre se destaca por onde passa até hoje – elogia.
Maria Olívia recorda com saudade do dia a dia do bloco durante os preparativos dos desfiles do Estrelinha do Mar.
– Essa época a casa da gente virava paetê e purpurina. As noites mal dormidas e o trabalho durante os preparativos compensa qualquer cansaço, pois as histórias que vem a mente faz a gente dar risadas quando vem à memória – conta.
E histórias não faltam nesses anos de desfile em Navegantes e outras cidades da região.
– Teve um carnaval que não tínhamos dinheiro pra comprar os fogos de artifício que usamos no início dos desfiles. Quando o Estrelinha foi anunciado e começaram as explosões dando um show de luzes e estouros ensurdecedores. Ao final descobrimos que um bloco que iria desfilar disparou os fogos por engano. Na vez deles desfilarem acabaram dando desculpas que era um minuto de silêncio em homenagem ao componente que havia falecido – lembra.
Outra história é sobre um violinista de Blumenau, que acabou desfilando no bloco por acaso.
– Em 2011, saímos com o tema: inspiração divina e eu queria muito um violino na bateria. Fomos em uma apresentação em Blumenau e tinha um violinista tocando em uma praça e conseguimos trazer para o desfile. Costumava dizer que Deus sempre ajudava nas nossas conquistas – reforça.
A morte do Calinho em 2015 deixou um vazio e o Estrelinha sem direção. O bloco ficou oito anos sem desfilar. O retorno em 2023 traz o sobrinho, Cauêh Emílio Rebelo, na presidência e a certeza que o Estrelinha do Mar continuará representando o Pontal por muitos carnavais.
– O Calinho se foi em outubro de 2015 e deixou o legado nas mãos do Cauêh, que nunca parou de atuar no bloco mesmo sem desfile de rua durante esses anos. Cauêh trouxe percussionista das escolas do Rio de Janeiro e promoveu aulas de percussão durante todos esses anos com a certeza de que iria levar em frente o que o seu Léca e o Calinho idealizaram em tempos distintos. Isso orgulha a família Emílio por toda essa boa vontade e compromisso com a comunidade do bairro São Pedro – enfatiza Maria Olívia.