Policiais descontentes com carro alegórico abriram fogo contra foliões
“Tudo ocorria na melhor ordem e a alegria reinava franca e cordial, quando o préstito chegou em frente da cadeia. As praças, não sabemos por que cargas d’água, entrando no quartel, tomaram de suas carabinas e alvejaram a multidão”. A cenas descritas pelo jornal “Novidades” de 25 de fevereiro de 1912, registra um dos episódios mais tristes do carnaval da região. Policiais descontentes com um carro alegórico, abriram fogo e feriram vários foliões. A coluna “Outros quinhentos” conta a história do carnaval sangrento de 1912.
No começo do século XX, o carnaval de rua de Itajaí era marcado por seus carros alegóricos irreverentes, que criticavam a sociedade da época. Foi justamente um desses carros o estopim para o ataque de fúria dos policiais. Na segunda-feira, dia 19, o juiz Américo Nunes procurou o delegado Eugênio Beckert e avisou que um dos carros alegóricos do grupo “Caradura” ofendeu moradores no domingo e pediu que ele tomasse alguma providência.
Na terça-feira, dia 20, o delegado alertou o diretor do grupo Caradura, Emmanuel Curlin, sobre o carro alegórico polêmico. Curlin disse que o carro nada tinha de imoral. Mesmo assim, algumas modificações foram feitas. O carro alegórico representava uma grande chaleira que rodopiava e cujo bico era disputado por algumas figuras que a rodeavam e que caracterizavam três políticos locais de influência.
Depois de fazer as modificações e tirar as licenças, o grupo saiu para brincar o carnaval pelas ruas de Itajaí. A proibição não foi aceita pelo grupo, que em represália montou um carro alegórico satirizando a polícia e o delegado Eugênio Beckert.

Policiais que faziam o patrulhamento das ruas avisaram o delegado Beckert sobre o carro alegórico e dos xingamentos que receberam dos foliões. Beckert ordenou que os policiais retornassem ao quartel e procurou o juiz Américo Nunes. O juiz ordenou que os policiais pegassem suas armas e não deixassem o carro alegórico prosseguir.
Temendo um banho de sangue, o delegado correu ao quartel, onde encontrou os policiais com suas carabinas e dispostos ao ataque. Beckert orientou os policiais a não reagirem às provocações. Antes de ir para casa, o delegado pediu novamente para que os policiais não saíssem do quartel.
Por volta das 22h, o carro alegórico do grupo Caradura passou em frente ao quartel e começou a provocar os policiais. Aproximadamente duas mil pessoas acompanhavam o grupo naquela noite de carnaval. Além de Itajaí, moradores de Navegantes, Penha e outras cidades da região participavam da festa.
No quartel, os ânimos não estavam para brincadeira. Assim que alguns foliões desceram do carro, os policiais atiraram. Começou então uma correria. Muitas pessoas foram pisoteadas e duas delas baleadas. Um dos feridos foi o professor Manoel Ferreira de Miranda, atingido por bala na perna, que foi amputada. Manoelzinho, como era conhecido, dava aula em uma escola de Navegantes.
Além do professor, o operário Paulo da Cruz Pereira levou um tiro no peito e outro no braço. Apesar dos ferimentos, Paulo foi socorrido e sobreviveu. A tragédia só não foi maior porque o coronel Eugênio Müller conseguiu desarmar os policiais, que fugiram do quartel.
Enfurecidos, os foliões invadiram o quartel, soltaram o único preso e quebraram tudo que encontraram pela frente. Com os destroços do quartel, os vândalos fizeram uma fogueira. Mesmo assim, a fúria não aplacou. Eles seguiram para a casa do delegado, que ao ouvir os gritos, fugiu. A família também conseguiu escapar pelos fundos da residência, que foi destruída pelos vândalos.
Beckert se escondeu no meio de uma pilha de tábuas por três horas. De lá ele seguiu a pé até Camboriú e de Camboriú foi até Florianópolis, onde chegou no meio da tarde. Relojoeiro de profissão e presidente do Clube de Caça e Tiro de Itajaí, Beckert entrou para a polícia em 1909 e foi nomeado delegado em 1911. Depois daquele carnaval, ele abandonou a polícia e passou a morar com a família em Florianópolis.
Um inquérito foi aberto e três policiais responsáveis pelos disparos foram presos. O resultado do inquérito policial não foi divulgado em jornais da época.
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