Por Rogério Pinheiro – Texto e Fotos
YouTube, cinema, televisão, Netflix, Amazon e uma série de outras plataformas de streaming. O que não faltam hoje são opções para assistir a um filme. Uma realidade bem diferente do começo dos anos 80, onde o cinema era o principal meio para ver um longa-metragem, além da televisão, que não estava presente em todas as casas.
No final da década de 1970, brasileiros que viajavam para o exterior trouxeram um aparelho eletrônico que revolucionaria a maneira de assistir a um filme. Sucesso em países como Estados Unidos e Japão, o videocassete só se popularizou no Brasil a partir do momento que o aparelho começou a ser fabricado no país em 1982.
Com mais aparelhos vendidos, surgiram as primeiras videolocadoras, que alugavam filmes antigos e sucessos que deixavam a tela do cinema e chegavam no formato de uma fita VHS em casa. Daí em diante, começou o boom das videolocadoras com seu auge no final dos anos 90 e começo dos anos 2000.
O aumento aconteceu depois da transição do VHS para o DVD. A mudança de tecnologia do analógico (videocassete) para o digital (DVD) foi a grande responsável pela disparada das videolocadoras. Isso seguiu até 2006 com a chegada de outra novidade, o Blu-ray.
A nova tecnologia prometia melhorar ainda mais a qualidade de som e imagem e dar uma nova revigorada nas videolocadoras que começavam perder clientes para a TV a cabo e internet. No entanto, o valor do aparelho e poucas opções de filmes não despertaram o interesse. O Blu-ray ficou só na promessa mesmo.
Quando o Blu-ray chegou, uma revolução digital estava em curso. Com a popularização dos downloads de filmes pela internet e principalmente a pirataria de DVDs, as videolocadoras viram seus clientes sumirem das lojas físicas e migrarem para as lojas virtuais.
Para ter uma ideia, um levantamento feito pela antiga Associação Antipirataria de Cinema e Música, 59% dos DVDs que circulavam no Brasil em 2011 eram piratas. Se estava ruim, ficou pior com as plataformas de streaming que vieram logo em seguida. Isso decretou o fechamento daquelas poucas videolocadoras que ainda lutavam contra a pirataria.
A primeira videolocadora de Navegantes
A primeira videolocadora de Navegantes surgiu da paixão de três jovens pelo cinema. Zélia Áurea Müller Rossi, o irmão Saulo Müller Júnior (in memoriam) e a prima Maria Izabel da Silva fundaram no segundo semestre de 1988, a Stone Wall (Parede de Pedra, em tradução livre), que ficava em uma casa ao lado da lotérica Chaplin.
– Nós éramos em três sócios, amantes do cinema. Quando a gente começou, se tinha 100 fitas (VHS) foi muito. Era a Parede de Pedra porque a primeira casa que a gente estava era uma casa com parede de pedra – recorda Zélia Áurea Müller Rossi, 57 anos.
Ela lembra também da dificuldade para abrir uma videolocadora na década de 1980.
– A gente teve que pedir autorização para a Ancine (Agência Nacional do Cinema) e comprovar o número de habitantes que tinha Navegantes. Na época não tinha 20 mil. Para abrir com menos fitas a gente teve que pedir uma autorização para a Ancine. Aí eles deram uma autorização e teve que passar pela prefeitura. Isso tudo levou meses – explica.
Com a morte do irmão em 1992, a sociedade foi desfeita e o nome da videolocadora mudou para SMJ, iniciais de Saulo Müller Júnior.
– Essa locadora ficou com esse nome até a morte dele, num jogo de futebol na praia. Por essa situação, eu comprei a parte da minha prima e mudei o nome da locadora para SMJ, que é o nome do meu irmão, Saulo Müller Júnior – conta.
Além da transição da velha fita VHS para o DVD, Zélia também atribuiu o boom das videolocadoras ao aumento do poder aquisitivo do brasileiro após o Plano Real em 1994.
– Acredito também que estava ligado ao poder aquisitivo do brasileiro. Houve aquela mudança do Plano Real. O poder de compra do povo aumentou. Com o poder de compra do povo melhorando para nós também melhorou – argumenta.
A SMJ que chegou a ter um acervo de 5 mil fitas e locação de quase mil filmes em um final de semana, viu o movimento cair drasticamente depois do ano 2000. Para Zélia, a pirataria foi a grande responsável pela queda.
– A pirataria veio com muita força. Porque as pessoas compravam na esquina. Quem vinha alugar fita para o filho, resolvia comprar a fita (pirata) que era o preço de uma locação porque o filho ia assistir várias vezes. A pirataria foi o nosso grande vilão e a internet também – lamenta.
Zélia fechou a SMJ no começo dos anos 2000 e vendeu todo o estoque para duas funcionárias, que montaram uma videolocadora com o mesmo nome na rua Manoel Moreira Maia, também Centro de Navegantes até o seu encerramento em definitivo.
Videolocadora de Navegantes resiste à revolução digital
Com 30 mil fitas no acervo, a Videolocadora Müller conseguiu sobreviver à revolução digital e a pirataria. Desde novembro 2002 quando começou com apenas mil fitas (990 VHS e 10 DVDs), o proprietário Joel Walmor Espíndola, 53 anos, conta com uma clientela sem paciência com serviços de streaming e saudosos de filmes antigos ou que raramente são encontrados na internet.
– Hoje a procura é pelos filmes antigos, filmes que não se encontram na internet. Tem outros clientes que não gostam de tá baixando ou não tem Netflix – comenta.
No auge, em 2005, a Videolocadora Müller chegou a alugar quase 60 mil filmes por ano e hoje não passa de 6 mil. No primeiro ano, o campeão de locação foi o filme “Homem-Aranha” (2002), estrelado por Tobey Maguire.
– Quando eu abri a locadora era o “Homem-Aranha” o campeão de locação e depois veio “O Senhor dos Anéis”. O auge foi 2005 com 58 mil locações. Hoje são 6 mil locações por ano, a maioria jogos – conta.
Segundo Joel, a pirataria não contribuiu para afastar o público da videolocadora e sim a internet. Para manter a loja aberta até hoje, ele teve que oferecer outros serviços.
– A pirataria nunca atrapalhou, o que atrapalha é a internet. Faço compra e venda de jogos, aparelhos de Blu-ray, Playstation e conversão de fita VHS. Tem alguma coisa de conveniência que ajuda bastante. A internet com lan house também ajuda, faço serviço de impressão e currículo. Isso agrega, tudo soma – reforça.
Filmes raros
Os títulos mais procurados na única videolocadora de Navegantes são os antigos e principalmente os raros. Muitos clientes procuram entre as 30 mil fitas do acervo obras que marcaram e que não encontram nos serviços de streaming ou internet. Um deles é o longa-metragem “Apocalypto”. Dirigido, escrito e produzido por Mel Gibson, o filme de 2006 que mostra o fim da civilização maia, é uma das raridades encontradas na Müller.
– Hoje tenho minhas opções em casa, Netflix, mas a principal vantagem numa videolocadora é ter filmes que não tem lá e tem aqui. O filme “Apocalypto” não encontrei em lugar nenhum e aqui tem e dois até. Tem vários e “Apocalypto” é um deles – conta o engenheiro de segurança do trabalho, Fernando Melo, 45 anos.
Antes de se mudar para Navegantes há 16 anos e se tornar cliente, Fernando tinha sua própria videolocadora em Piraí do Sul, no Paraná.
– Eu cheguei a ter 5 mil fitas e só VHS. Quando chegou o DVD eu cheguei a ter 10 DVDs e aí eu vendi para o meu irmão. Houve uma queda, fechei em 2005 e vim para cá. Eu sempre gostei de filmes – recorda.
Cinéfilo, ele não troca as facilidades do mundo digital por uma loja física.
– Eu sou fã de locadora, está no sangue. É gostoso você procurar um filme em uma locadora. É gratificante você ir em uma locadora e pegar a fita, ler a sinopse. Netflix eu assisto direto, mas nada como a locadora – resume.
Outro fã da Videolocadora Müller é o radioperador Alberto Nobre de Oliveira, 54 anos, que aluga filmes na mesma loja há 17 anos.
– Vire e mexe eu venho aqui pegar um filme. Eu frequento uma e até duas vezes na semana. Parece que isso daqui volta no tempo. Às vezes tu quer ver alguma coisa que gostou, mas é difícil de achar. Vai no YouTube é muita propaganda, canais abertos tu não vai achar e aqui o Joel tem tudo – elogia.
No dia da entrevista para a coluna, dia primeiro de julho de 2022, Alberto procurou a videolocadora com a intenção de levar o filme “Homens de Honra”. O drama dirigido por George Tillman Jr., com Robert De Niro, Cuba Gooding Jr. e Charlize Theron no elenco, conta a história de um jovem negro que entra para a Marinha americana nos anos 50.
– Eu gosto de filmes de ação, documentários, dramas, filmes das antigas. Alguns, o pessoal recomenda e você vai nesses canais abertos não acha. No YouTube até tem, mas é só propaganda. Hoje eu estava pensando pegar “Homens de Honra”. A gente tava conversando lá no serviço – conta o radioperador.