fbpx

O ERRO QUE QUASE CAUSOU UMA TRAGÉDIA EM NAVEGANTES

Boeing da Gol colidiu contra muro do Aeroporto de Navegantes. Investigação concluiu que acidente poderia ter sido evitado Crédito: aviation-safety.net

No dia 20 de dezembro de 2003, um avião da empresa Gol que saiu de São Paulo e tinha como destino Porto Alegre, colidiu contra um muro durante uma escala no aeroporto de Navegantes. Chovia forte na hora do pouso, o que fez a aeronave, um Boeing 737 não parar a tempo e bater a asa esquerda e o bico contra o muro, a poucos metros de cerca de 30 residências de madeira. A investigação realizada meses depois apontou que a chuva não foi a única causa do acidente. Um erro humano também contribuiu e quase provocou uma tragédia em Navegantes.

O voo 1756, que partiu do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, por volta das 10h20, e deveria chegar na capital gaúcha às 12h30, era operado pelo Boeing 737-76N de prefixo PR-GOO. A aeronave estava com 148 pessoas a bordo, sendo 142 passageiros e 6 tripulantes. Ao decolar da capital paulista, a tripulação tinha conhecimento de que a operação no seu destino era visual, porém, no transcorrer do voo, as condições meteorológicas se deterioraram e em sua chegada a Navegantes a operação passou a ser por instrumentos.

O Boeing aproximou-se do Aeroporto de Navegantes por volta das 11h30. Por rádio, o piloto pediu à torre de controle em função da chuva, autorização para executar o procedimento GPS para a cabeceira 25 (sentido praia/rio Itajaí-Açu) e não a número 7 (sentido rio Itajaí-Açu/praia), que normalmente é usado para o pouso.

Motor esquerdo também sofreu avarias

A torre informou que a visibilidade diminuíra para 2.000 metros em virtude da presença de chuva sobre o aeroporto, tendo o copiloto, em seguida, solicitado à torre de controle o aumento das luzes sinalizadoras da pista. A torre confirmou iluminação máxima.

Ao aproximar da pista eles (piloto e copiloto) notaram que os manetes de potência estavam reduzidos. O piloto ajustou a potência para a aterrissagem. Como a aeronave não descia, novamente o sistema de gerenciamento de voo reduziu automaticamente a potência dos motores e um alerta foi acionado na cabine.

Neste momento, o copiloto identificou vento forte na calda e que a aeronave estava alta em relação ao procedimento feito pelo piloto automático. As rajadas de vento atingiram a cauda do avião com uma velocidade de aproximadamente 40 km/h. Em seguida, o piloto reclama: “Não está querendo descer”.

O avião ficou durante a aproximação final acima do perfil da rampa de descida até que enfim conseguiu pousar. Às 11h27, o Boeing da Gol tocou o solo 750 metros após o início da pista, num ponto considerado não recomendado pelos manuais de aviação e principalmente da fabricante da aeronave, a Boeing. Além disso, o avião estava acima do peso por ter duas toneladas de combustível a mais do que o previsto.

Ao perceber que os freios automáticos não funcionavam, o piloto os acionou manualmente. Os reversores (mecanismo que inverte o fluxo de ar nas turbinas e ajuda na frenagem do avião) foram utilizados em potência máxima e os freios aplicados na sua pressão total.

Neste ponto, o piloto já não conseguiu controlar, nem mesmo parar a aeronave, saindo da pista e colidindo com o muro do aeroporto, onde é hoje o cemitério Parque Jardim dos Florais. O  muro separava a pista de um lugar chamado “Favelinha do Aeroporto”, formado por barracos de madeira. O local abrigava aproximadamente 30 residências e a casa mais próxima do muro onde o Boeing bateu estava a uma distância de menos de cinco metros.

A evacuação foi comandada pela tripulação e realizada pelos comissários. Os equipamentos de apoio funcionaram conforme previsto. Todas as saídas foram abertas, mas apenas as do lado direito da aeronave puderam ser utilizadas, em virtude de, no lado esquerdo, haver vegetação que impedia a saída dos passageiros.

Os bombeiros que atendem o aeroporto e os voluntários fizeram os primeiros socorros. Apesar do susto, ninguém se feriu. No entanto, os passageiros reclamaram da falta de meios de transporte para a retirada imediata do local do acidente. Muitos fizeram o trajeto ao terminal de passageiros a pé e na chuva. Já a aeronave sofreu avarias na asa, fuselagem, trem de pouso e motor esquerdo.

Investigação

Depois de um ano e meio, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), vinculado ao Ministério da Aeronáutica, concluiu o relatório final do acidente, que apontou falha humana. Segundo o Cenipa, “a tripulação não efetuou corretamente a análise de pista antes da aproximação, prosseguindo para o pouso com a aeronave apresentando peso excessivo para as condições existentes, além de não considerar os parâmetros de distância de parada após o toque para as condições apresentadas (chuva e vento).”

Asa do Boeing ficou danificada após a batida.

A aeronave estava bastante pesada naquele dia. Antes de decolar em São Paulo, o Boeing recebeu duas toneladas de querosene a mais do que o necessário para o percurso até Porto Alegre. O combustível excedente fazia parte da política de voo econômico da companhia e visava não realizar o reabastecimento em Navegantes.

De acordo com o relatório final do Cenipa, “houve falha na consciência situacional do piloto ao não perceber as condições inadequadas para o pouso, além de falta de assertividade do copiloto, ao não sugerir a arremetida.”

A pista do aeroporto de Navegantes possuía 1.701 metros de extensão e, conforme as variáveis (peso de pouso, vento de cauda, configuração da aeronave, pista molhada e tipo de piso) inseridas no gráfico operacional do fabricante da aeronave para a operação de pouso, seriam necessários 1.590 metros de pista para a parada da aeronave após o ponto de toque.

Pelo manual de operação do fabricante, a pista do Aeroporto de Navegantes não tinha condições naquele momento para o pouso do Boeing. Segundo os cálculos do gráfico de operação do avião, a distância existente (950 m) não era suficiente para a parada total da aeronave na condição de peso, pista molhada e vento de cauda.

O relatório final do Cenipa indicou ainda que o vento de cauda fez com que a aeronave tocasse a pista em um ponto além do previsto. O fato de a pista estar molhada degradou as condições de frenagem da aeronave. O Cenipa descartou a possibilidade de aquaplanagem, que acontece quando há lâminas de água na pista devido à chuva e isso provoca a falta de aderência das rodas do avião no solo.

Caos aéreo

Em 2003, o Brasil vivia uma crise aérea que chegou ao pico em 2007, quando aconteceu o protesto dos controladores de voo contra a infraestrutura de serviço, gerando atrasos, cancelamentos e desgastando os funcionários física e psicologicamente. Dias de espera, voos cancelados e a constante ameaça de apagão no tráfego aéreo deixaram a movimentação nos principais aeroportos do país caótica. Uma tragédia era uma questão de tempo e ela aconteceu no dia 29 de setembro de 2006.

Avião bateu a menos de cinco metros de uma residência

Na tarde daquela sexta-feira, o Boeing da Gol que fazia o voo 1907 de Manaus até o Rio de Janeiro chocou-se com o jato Legacy ocasionando a morte de todas as 154 pessoas a bordo. O avião caiu em uma terra indígena no Mato Grosso. Já o jato com sete passageiros conseguiu pousar na Serra do Cachimbo, no Pará. Até então, era a maior tragédia da aviação brasileira.

Esse triste recorde foi infelizmente superado no dia 17 de julho de 2007. Naquele dia, um acidente com um avião da TAM no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, deixou 199 mortos. A aeronave, um Airbus A320, não conseguiu pousar e atingiu um prédio da companhia aérea localizado do lado de fora da pista.

Apesar de causas diferentes, o acidente da TAM teve uma dinâmica parecida do avião da Gol que bateu no muro do Aeroporto de Navegantes em 2003. Chovia muito forte na hora do pouso e também não houve aquaplanagem. O reversor que faltou no acidente da TAM, ajudou a frear a tempo a aeronave da Gol e evitou que acontecesse uma tragédia até pior.

Acidentes que poderiam ser evitados caso a aeronave arremetesse e aterrissasse em um aeroporto com melhor condição meteorológica. Segundo o que era relatado entre pilotos na época, existia uma pressão por parte das companhias aéreas para evitar que o avião arremetesse para outro aeroporto.

A justificativa era que a arremetida traria um grande transtorno operacional para realocar os passageiros em conexão, além do gasto com combustível e o desgaste da imagem da empresa com os passageiros. Essa interferência por parte da empresa aérea tinha um grande peso nas decisões na coordenação de ações em situações de mau tempo, como aconteceu em Navegantes.

Procedimentos de segurança

O relatório do Cenipa gerou 17 recomendações de segurança. As sugestões foram distribuídas entre o Aeroporto de Navegantes, Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a empresa Gol.

O Cenipa recomentou que “no prazo de seis meses o Aeroporto de Navegantes providenciasse os meios necessários de transporte para apoio à evacuação nos casos de acidentes e incidentes aeronáuticos ocorridos no aeroporto, incluindo o procedimento em seu Plano de Emergência Aeronáutica em Aeródromo.”

Já à Anac foi estabelecido um prazo de três meses para que agência de aviação fizesse “uma vistoria de segurança de voo na  empresa Gol Linhas Aéreas, dando ênfase à avaliação do Programa de Treinamento dos Pilotos, quanto ao conhecimento e ao fiel cumprimento dos manuais de operação das aeronaves, verificando o processo de instrução dos tripulantes nas diversas situações presentes na atividade aérea.”

A maioria das recomendações foi direcionada a Gol. Entre elas, o órgão pediu que “os tripulantes técnicos avaliassem as condições operacionais e que realizem o planejamento do voo, levando em consideração fatores técnicos, operacionais e meteorológicos.” Foi solicitado também uma “reavaliação dos procedimentos operacionais para pousos em condições meteorológicas adversas durante as fases do voo.”

Sobre a recomendação do Cenipa ao Aeroporto de Navegantes, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), informou por sua assessoria de imprensa que: “à época, o Aeroporto de Navegantes implantou o Sistema de Resposta à Emergência Aeroportuária (SREA) no aeródromo, em conformidade com a regulação específica do Órgão Regulador, bem como promoveu a atualização do seu Plano de Emergência nos padrões estabelecidos pelo Regulamento Brasileiro de Aviação Civil nº153/ANAC.

Já a empresa aérea Gol não respondeu aos questionamentos até o fechamento da coluna.

Relatório final do Cenipa apontou que decisão errada do piloto em pousar aeronave foi uma das causas do acidente

Piloto evitou uma tragédia

O Corpo de Bombeiros Voluntários de Navegantes auxiliou no atendimento dos passageiros com duas ambulâncias. Segundo o comandante Ricardo Luiz da Silva, os passageiros estavam muitos nervosos.

– Quando chegamos, o pessoal estava descendo na escorregadeira. Os passageiros estavam bem nervosos. O pessoal veio para o hangar e foi aferido a PA (Pressão Arterial). Foi dado o primeiro atendimento nos passageiros, que também estavam molhados. Não foi preciso levar ninguém para o hospital, foi só nervosismo mesmo, graças a Deus – recorda.

Para o comandante, a habilidade do piloto evitou que acontecesse uma tragédia.

– O piloto foi bom, foi muito bom. Por que ele (avião) deu um cavalo de pau. A asa passou por cima do muro. Se é outro piloto fecha o olho e deixa ir reto. Você tem que ser bom e tem que arriscar tudo. Se ele passasse ali ia pegar umas 30 casinhas, em média de 25 a 30 casas – reforça Ricardo.


ATENÇÃO: Você não pode copiar o conteúdo
Direitos reservados ao Jornal nos Bairros