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A TRAGÉDIA DE ARNALDO PASSOS

Quico ( da esquerda para a direita, o último jogador agachado) foi campeão pelo Barroso em 1959. Crédito: Arquivo Público de Itajaí

O encontro do policial com o jogador de futebol em uma rua de Navegantes mudou para sempre a vida de ambos.

Coluna Outros Quinhentos – Por Rogério Pinheiro

Na manhã do dia 20 de agosto de 1961, um domingo, o jogador do Clube Náutico Almirante Barroso, Arnaldo Antônio dos Passos, o Quico, 24 anos, saiu de casa com a sua motocicleta para comprar remédio para o filho de oito meses. Além de jogador, Quico era funcionário do Banco Inco. No mesmo dia, o comissário de polícia, Nelson Ricardo da Silva, também saiu de casa para fazer o seu trabalho. O encontro do policial com o jogador de futebol em uma rua de Navegantes mudou para sempre a vida de ambos. A coluna “Outros quinhentos” traz a tragédia que abalou Navegantes no começo dos anos 60. 

No sábado, dia 19 de agosto de 1961, o comissário de polícia, Nelson Ricardo da Silva, foi informado que João Francisco Marques, um notório ladrão de residências, estava escondido em Navegantes. Com várias passagens pela polícia, “Bugrinho”, como era conhecido no mundo do crime, chegou a ser preso em uma casa de prostituição no Morro Cortado, em março do mesmo ano, mas fugiu da Cadeia Pública de Itajaí meses depois.

O jovem bancário foi confundido com um bandido e baleado por um policial em uma rua de Navegantes, em 1961.  Crédito: Arquivo Público de Itajaí

Com a informação do suposto paradeiro de Bugrinho, o policial Nelson procurou o subdelegado Justino, responsável pelo policiamento de Navegantes, na manhã de domingo. Sem uma viatura para auxiliar nas buscas pelo foragido, os dois procuraram o comerciante Oswaldo Rodi, que naquele dia visitava parentes em Navegantes.

 A ajuda foi importante para o comissário Nelson, que havia sido transferido de Joinville recentemente e conhecia muito pouco Navegantes. O policial também teria sido alertado que Bugrinho estava com uma motocicleta. Depois de circular pela cidade durante parte da manhã, eles voltaram para o Centro sem encontrar o marginal.

Ao passar por uma rua, o trio viu uma motocicleta se aproximar. O comissário Nelson e o subdelegado Justino desceram do carro. Nelson sacou o revólver e ordenou que o suspeito parasse a motocicleta. O piloto não parou e aumentou a velocidade da motocicleta. Ao se aproximar dos policiais, Oswaldo reconheceu quem conduzia a motocicleta e gritou:

— Não é o Bugrinho, é o Quico, é o Quico!

A notícia foi capa do Jornal “A Nação”, de Blumenau. Na foto, Quico recebe a visita da família no Hospital Marieta, em Itajaí. 
Crédito: Hemeroteca Digital Catarinense

O aviso do comerciante não impediu que o comissário Nelson atirasse. Com a motocicleta quase na sua frente, ele disparou três vezes contra o jovem, que caiu em seguida. Dos três tiros, um atingiu o hemitórax direito do jogador do Barroso. Socorrido pelos policiais e pelo senhor Oswaldo Rodi, Quico foi levado às pressas para o Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí. As lesões provocadas pela bala feriram a pleura, pulmão, fígado, pâncreas e o intestino grosso.

A versão do comissário Nelson

Após deixar o jovem no Hospital Marieta, o comissário Nelson seguiu até a Delegacia de Itajaí. Ele foi preso em flagrante por tentativa de homicídio e permaneceu detido até que se concluísse o inquérito. No dia seguinte, em entrevista para o jornal “A Nação” de Blumenau, o comissário Nelson falou sobre o caso. 

— Quando fiquei no meio da rua, levantei os braços e pedi para que parasse. Eu não fui atendido e a bicicleta motorizada (motocicleta) vinha em minha direção. Saquei o revólver e fiz dois disparos para os lados para amedrontá-lo. Mesmo assim, a pessoa não parou e imprimiu maior velocidade. Quando estava perto de mim, atirei para alvejá-lo, o que consegui, julgando que se tratava do perigoso ladrão. Quando a vítima caiu, fui levantá-lo e ele mesmo disse: “Moço, eu sou funcionário do Banco Inco”.

Durante a entrevista, Nelson disse que não ouviu o aviso do comerciante Oswaldo Rodi.

— Absolutamente nada ouvi e perto de mim estava o senhor Justino que é vizinho da vítima e nada me avisou. Foi para mim uma tragédia. Não posso compreender como aconteceu.

Os últimos dias

A cirurgia realizada pela equipe médica do Hospital Marieta Konder Bornhausen foi bem-sucedida. Quico chegou a receber parentes e amigos na semana seguinte. No entanto, os médicos não conseguiram parar a hemorragia no intestino. O jovem foi transferido para a Clínica São Sebastião, em Florianópolis.

Quico lutou por mais de um mês. Infelizmente a mesma hemorragia no intestino continuou e o jovem faleceu no dia 2 de outubro de 1961, 43 dias após ser baleado em Navegantes. Ele deixou um filho de menos de um ano e a esposa, que hoje residem em Blumenau.  

Com 17 anos, Quico começou a jogar na Sociedade Recreativa Navegantes. Meio-campista brilhante, carreira foi interrompida precocemente. Crédito: Hemeroteca Digital Catarinense

Um craque dentro e fora de campo

Quem conheceu o Quico guarda até hoje a lembrança de um jovem calmo, um marido exemplar, um pai carinhoso, “um amigo no verdadeiro sentido da palavra”, como definiu a coluna “Varandão da Saudade”, do jornal “A Folha de Navegantes”, de 18 de outubro de 1980.

Quico começou a jogar futebol muito cedo e logo se destacou como um meio-campista fora de série. Em 1955, o técnico Júlio Horácio da Silva, o Zicão, ficou impressionado com o talento do jovem de 17 anos e o convidou para jogar na Sociedade Recreativa Navegantes.

 O talento de Quico chamou atenção também do técnico do Clube Náutico Almirante Barroso, Roland Schneider, que o chamou para jogar no time de Itajaí em 1956. Pelo Barroso, Quico disputou o Campeonato Catarinense de Futebol e foi campeão da Liga Itajaiense de Desportos (LID) de 1959. Outros times catarinenses tentaram contratar o meio-campista, mas a amizade que Quico tinha com o técnico Roland Schneider foi mais forte e ele preferiu ficar no Barroso.

Para ter uma ideia da fama do meio-campista, ele foi considerado pela crônica esportiva de Santa Catarina da época, um dos melhores jogadores na sua posição. Além do talento, Quico chamava atenção pelo seu comportamento exemplar dentro de campo. Ele nunca foi expulso de uma partida de futebol.

O ex-vereador Celso Antônio dos Passos tinha seis anos quando o irmão faleceu. Apesar de não se lembrar do que aconteceu, Celso cresceu ouvindo a história do irmão, que segundo ele, despertou o interesse do Fluminense, que conquistou o título da Libertadores pela 1ª vez no último sábado (4).

— Naquela época, o jogador de futebol não dava muito dinheiro, então tinha que jogar e trabalhar. Ele trabalhava no Banco Inco e jogava no Barroso pelo profissional. Pelo que os boleiros, os craques de bola diziam, ele era realmente um craque. Ele jogou no Barroso, na seleção catarinense e teve proposta para ir para o Fluminense. Não quis por conta de ter recém-casado e queria ficar na região — recorda.

Ele disse que a morte do irmão abalou Navegantes.

— A cidade toda se comoveu. O Quico era um ídolo. Não só isso, era um exemplo de pessoa, de pai — completou Celso.

O comissário Nelson Ricardo da Silva continuou na polícia. Segundo a família, Quico permaneceu consciente a maior parte do tempo que ficou internado e perdoou o comissário. Em 1963, a Câmara de Vereadores de Navegantes aprovou um projeto de lei que nomeou uma rua em sua homenagem. A rua Arnaldo Passos é hoje sede do Ginásio Municipal de Esportes e do Estádio Cirino Adolfo Cabral, sede do União Futebol Clube. 


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