Coluna Outros Quinhentos por Rogério Pinheiro
O conclave, votação dos cardeais da Igreja Católica para eleger um novo Papa, começou nesta quarta-feira (7). A reunião a portas fechadas acontece na Capela Sistina. Enquanto os cerca de 130 cardeais escolhem o novo Papa, a coluna “Outros quinhentos” conta a história de outro conclave, que elegeu João Paulo I e de sua família que morava em Navegantes.
O ano era 1978. No dia 6 de agosto, o porta-voz do Vaticano, Pierfranco Pastore, anunciava a morte de Paulo VI, aos 80 anos de idade, em consequência de um ataque cardíaco. No dia 25 de agosto, depois de dois dias de conclave, os cardeais escolheram o cardeal patriarca de Veneza Albino Luciani, de 65 anos. Albino Luciani recebeu o nome de João Paulo I, em homenagem a seus dois antecessores, João XXIII e Paulo VI.
A família de Albino Luciani tinha uma forte ligação com o Brasil. A mãe do Papa, Bortola Tancon, era prima de Giovanni Valentino Tancon, que emigrou para o Brasil em 1897. Giovanni se estabeleceu em Luiz Alves. Bortola e o primo Giovanni cresceram juntos na comuna de Canale d’Agordo, na Itália, terra natal de João Paulo I. Apesar da distância, Bortola sempre correspondia com o primo Giovanni por cartas e fotos.
Um dos filhos de Giovanni, Ângelo Tancon, se mudou para Navegantes na década de 1950. Ângelo morou em Navegantes até 1983, quando se mudou para Jaraguá do Sul. Ele faleceu em 1989. Iria Tancon, filha do Ângelo, ainda guarda algumas lembranças dessa época.

— A nossa família se mudou para lá em 1957. Eu era ainda uma criança e logo fui para o colégio em Araras (interior do Estado de São Paulo). Nós morávamos no bairro de Machados. Quando nós fomos para lá tudo era muito difícil. Não tinha o desenvolvimento que foi alcançado depois. A gente andava de carroça. Eram poucas casas. No início, nós morávamos nas Queimadas (bairro Pedreiras). Parte de uma das pedreiras que estava sendo explorada pertencia ao meu pai. Nós trabalhávamos na agricultura, era tudo muito pobre. Depois o pai se mudou para casa do meu nono (avô) por parte da mãe, que era o João Pedro Maria Corrêa. Eu comecei no grupo escolar Adelaide Konder, que ficava na rua central, e tinha apenas duas salas de aula — recorda.
Segundo Iria, foi o pai que insistiu para que ela procurasse seus parentes na Itália.
— Em 1978, eu recebi um convite para ir para a Itália estudar o santo sudário. Quando eu fui, o pai me deu umas fotos. Ele disse: “minha filha deve ter alguém ainda lá na Itália dos nossos parentes.” O Giovanni Valentino Tancon cresceu na mesma casa com uma prima irmã chamada Bortola e eles eram muito ligados. Quando o nono veio para o Brasil era ela que sempre escrevia e mandava as fotografias de lá para o nono matar a saudade. Em uma dessas fotos aparecem Bortola com os dois filhos, dois jovens seminaristas. Um deles ficou padre e outro saiu — explica.
Primeiro encontro com o futuro Papa
Iria chegou na Itália em 16 de março de 1978, dia do sequestro do primeiro-ministro italiano Aldo Moro. Ela começou a fazer seus estudos em Roma e tinha esquecido das fotos e do pedido do pai. Quando um diretor pediu para redigir um documento para todos os bispos da Itália, o nome de Albino Luciani chamou atenção. Iria se lembrou que na foto dos dois filhos de Bortola havia o nome Albino Luciani. Ela escreveu para ele, que logo respondeu. O primeiro encontro aconteceu em maio daquele ano.

— Em maio, eu fui almoçar com ele em Roma. Eu tinha muito aquele receio, aquela vergonha de conhecer um patriarca, um cardeal. O almoço foi na casa das irmãs que ele ficava hospedado. A sobrinha dele, Lina Petri, estudava medicina em Roma. Ela também foi almoçar com ele. Nós duas estávamos sentadas no refeitório das irmãs e de repente ele chegou. Quando chegou, parecia que eu já conhecia ele a vida toda. Era alguém de uma simplicidade que caiu toda aquela vergonha. Uma pessoa sábia, mas uma pessoa simples — lembra.
O cardeal Albino enviou a carta de Iria tinha mandado para o irmão Edoardo Luciani em Canale D’Agordo. Foi pelo cardeal de Veneza que ela conheceu sua família na Itália. Albino sabia que tinha parentes no Brasil pela mãe Bortola. Ela sempre contava para os filhos sobre o primo Giovanni.
Com a morte do Papa Paulo VI no dia 6 de agosto de 1978, o Vaticano abriu um novo conclave. Dias antes da escolha do novo Papa, Iria ligou para Dom Albino Luciani e o convidou para almoçar.
— Depois do enterro do Papa Paulo VI, Dom Albino veio para Roma. Ele era presidente da Conferência Italiana dos Bispos e precisava preparar o conclave. Eu liguei para ele e convidei para jantar comigo. Ele disse que antes do conclave não podia. Depois do conclave, antes de subir para Veneza eu venho jantar contigo, ele disse. Essa promessa nunca foi realizada — lamenta.
Iria estava na praça de São Pedro quando soube da escolha de Albino Luciani.
— Quando começou o conclave na segunda sessão, eu fui para a praça para ver a fumaça. Já na segunda, ele já foi eleito. Quando eu ouvi o Habemus Papam, Albino Luciani, as minhas pernas tremiam praticamente. Eu fui correndo telefonar para o tio Zio Berto (Edoardo) e ele disse: “não Iria, corre para a praça que ele está dando a benção.” — relata.
Iria voltou a se encontrar com Albino Luciani, agora Papa João Paulo I. O encontro só foi possível graças ao irmão Edoardo.

— Seu irmão, Zio Berto, então me levou na audiência privada da família, junto com os seus. E quando ele veio ao meu encontro na sala de audiência lá do Vaticano, de longe já disse: “Grazie Iria del telegrama”. Imagina, no meio de tantos telegramas que ele recebeu, lembrar do meu telegrama que havia mandado por ocasião da sua eleição. Essa simplicidade não me deixou encabulada. E ele veio ao meu encontro, aí pudemos conversar, e depois ele mandou pelo Tio Berto todos os jornais da eleição e da entronização que eu trouxesse para o meu pai. Ele era uma pessoa mesmo de família. Quando ele veio para Roma com a audiência com a família, ele me tratou realmente como uma filha. Eu vivi esses momentos muito de perto — reforça.
Iria retornou ao Brasil em setembro para organizar uma exposição do Santo Sudário na cidade de Ponta Grossa (PR). Ela lembra da emoção do pai quando soube que ela tinha encontrado a família na Itália.
— Foi um choro, foi uma comoção, uma emoção muito grande. Depois o pai me levou na casa de cada irmão dele para contar para todo mundo lá em Luiz Alves. Não da eleição do Papa, mas desse reencontro com a família. Foi o primeiro encontro desde a morte do nono — esclarece.
O Papa João Paulo I governou apenas 33 dias e morreu vítima de uma parada cardíaca fulminante. No seu lugar foi escolhido o polonês, Karol Wojtyła, como Papa João Paulo II. Albino foi o último Papa italiano a ser eleito continuamente num longo ciclo de mais de 400 anos. Para Iria, o legado que João Paulo I deixou foi de ver o evangelho com amor e humildade.
— Para mim, João Paulo I é um homem de uma integridade, de uma humildade, de uma inteligência ímpar. Era um sábio humilde. Um verdadeiro santo. Eu não tenho dúvida da santidade dele. Atrás daquela humildade toda se escondia uma grande sabedoria. Ele deixou um legado evangélico, a evidência do evangelho na sua pureza. De ver o evangelho com humildade, de ver o evangelho com amor ao próximo, sem ostentação — concluiu Iria.
Em 2012, uma Chiesetta, uma igrejinha em português, foi construída no Morro da Boa Vista, em Jaraguá do Sul. A igrejinha é dedicada ao papa João Paulo I e aos imigrantes italianos que chegaram ao Brasil. O Papa João Paulo I foi proclamado beato no dia 4 de setembro de 2022 pelo Papa Francisco.