Meu galho de malva, meu buquê de flor

ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL DE SANTA CATARINA – SECCIONAL NAVEGANTES – SC

Acadêmica Professora Bárbara Kristensen, cadeira n. 7

Em certos cantos da memória, o tempo não passa – ele canta. E, em Navegantes, há um rastro delicado de cantoria e roda que eu recentemente conheci: a Ratoeira. Manifestação típica de parte do litoral catarinense, no século passado, esse encantamento circulava livremente por entre os engenhos, quintais e praças da cidade. Mulheres (e homens, em tom de flerte) tomavam conta da roda, recitando com a voz suas dores e desejos. A cada quadrinha, um afeto. A cada refrão, um segredo partilhado.

Hoje, quando penso na Ratoeira, penso no que ela me devolve: um laço invisível com as que vieram antes de mim, uma herança feita de sorriso e saudade. Mesmo sem ter vivido nesse tempo, construí uma memória da minha própria Ratoeira: ano passado, lancei “Rezo”, um álbum musical de composições que nasceu da partilha com duas artistas que admiro profundamente: Natália Pereira e Marcela Backer. Uma das faixas, “Às anciãs”, é uma homenagem à Ratoeira e, como o nome mesmo diz, às mulheres que vieram antes de nós. O projeto foi financiado pelo Edital Vilma Mafra, da Fundação Cultural de Navegantes e, como parte da contrapartida do projeto, fomos cantar para senhoras e senhores de uma casa de idosos.

Nesse dia, enquanto explicávamos a origem dessa música e contávamos sobre a Ratoeira, uma senhora de noventa e três anos nos interrompeu com uma alegria na voz. “Eu cantava muito Ratoeira em Navegantes”, disse. E ao final da canção, cantamos, junto com essa senhora, um dos versos mais tradicionais da brincadeira: “Meu galho de malva, meu buquê de flor / Nasceste no mundo pra ser meu amor”.

Ali, para nós, tudo fez sentido. Nosso corpo arrepiou-se inteiro e nossos olhos se encheram de lágrimas. Era como se a Ratoeira, esquecida por tantos, voltasse a se espreguiçar naquele salão, abrindo seus braços enrugados para nos acolher. E eu entendi: quando uma senhora de noventa e três anos lembra um verso antigo com o peito aberto, o tempo canta. E canta bonito.

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