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UMA HOMENAGEM PÓSTUMA:

Coluna Daniele Lisandro

Meu pai completaria 70 anos hoje, 03 de julho, obviamente gostaria de poder abraça-lo e poder celebrar com ele mais um ano, infelizmente isso não é mais possível…

Por não lembrarmos de nossa finitude e impotência, muitas vezes desperdiçamos tempo, amor, sonhos, conversas…

Sempre ficamos com a sensação de que faltou dizer algo, sempre fica a pergunta que gostaríamos de ter feito, e a  imensa vontade de continuar o diálogo de onde paramos.

Por que a vida vai nos transformando, por conseguinte as conversas que estabelecemos um dia, seriam diferentes, iriam adquirir novos caminhos, falaríamos de outros infinitos assuntos.

Sempre fica a possibilidade de algo que não se apresentou, a expectativa de que nos compreenderíamos melhor, já que o tempo molda nossos olhares para enxergarmos coisas que não víamos.

Eu olhava para o meu pai e ficava com a sensação de que ele não vivia o potencial intelectual que tinha, talvez, por ter passado boa parte de sua vida numa sociedade preconceituosa, medonha, horrenda para as pessoas com deficiência. (e que ainda precisa avançar). 

O meio em que estamos inseridos, guarda o potencial imenso de nos restringir , quando não nos é oferecida a oportunidade que caiba dentro das nossas particularidades.

Mesmo assim, ele lutou com os meios que conseguiu, resistiu, sobrepujou suas dores o quanto pôde e trabalhou dignamente até alguns dias antes de falecer.

Sou muito grata por ter convivido com alguém que me deixou lições tão preciosas…

Uma das minhas melhores memórias de infância é da estante de livros que ele tinha, era tão rico aquele “universo”, tinha muitos assuntos: dos mais variados e imagináveis . Eu ficava horas vasculhando, abrindo cada um deles, foi um amor que descobri e decidi carregar para a vida.

Ainda criança, eu via meu pai vestir um equipamento, que parecia uma roupa com uma bota, da qual auxiliava ele a ficar em pé, eu achava o máximo, eu corria, pulava, acreditava que toda aquela parafernália faria ele voltar a andar, e que ele iria poder brincar comigo.

Essa esperança nunca se concretizou, os papeis foram invertidos, ele é quem muitas vezes precisou de cuidados e isso levou tempo para ser compreendido, levou tempo para entender que a minha vida e a da minha irmã não seriamcomo as das demais crianças.

De toda forma tive bons momentos ao lado do meu pai, especialmente depois de adulta, desfrutamos de instantes simples e agradáveis, que recordo com alegria e saudade, daqueles que não trocaria por nada e que desejaria reviver muitas vezes.

Recentemente assisti o documentário sobre a vida de Schumacher, onde seu filho ao final, relata que desde o acidente que o pai sofreu, todos os momentos e experiências que eles tiveram não acontecem mais, nem o mínimo, que considera injusto, gostaria de conversar com ele novamente e que abriria mão de tudo por isso.

Eu, o Mick Schumacher, o querido leitor, ou outra pessoa do outro lado do mundo, diante da morte ou diante de circunstâncias que a vida impõe, gostaríamos, ainda que ingenuamente, de sermos capazes de alterar o tempo e o espaço, para termos novamente junto de nós aqueles que amamos.

Nosso controle diante da vida só vai até a próxima curva, nunca sabemos o que de fato o destino esta tramando, não conseguimos prever quase nada, e ainda sim temos quase sempre a ilusão de que teremos outra oportunidade. 

Aqui fica todo o amor ao meu pai, numa “carta” quedeveria ter sido escrita alguns anos atrás.


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