Meu pai completaria 70 anos hoje, 03 de julho, obviamente gostaria de poder abraça-lo e poder celebrar com ele mais um ano, infelizmente isso não é mais possível…
Por não lembrarmos de nossa finitude e impotência, muitas vezes desperdiçamos tempo, amor, sonhos, conversas…
Sempre ficamos com a sensação de que faltou dizer algo, sempre fica a pergunta que gostaríamos de ter feito, e a imensa vontade de continuar o diálogo de onde paramos.
Por que a vida vai nos transformando, por conseguinte as conversas que estabelecemos um dia, seriam diferentes, iriam adquirir novos caminhos, falaríamos de outros infinitos assuntos.
Sempre fica a possibilidade de algo que não se apresentou, a expectativa de que nos compreenderíamos melhor, já que o tempo molda nossos olhares para enxergarmos coisas que não víamos.
Eu olhava para o meu pai e ficava com a sensação de que ele não vivia o potencial intelectual que tinha, talvez, por ter passado boa parte de sua vida numa sociedade preconceituosa, medonha, horrenda para as pessoas com deficiência. (e que ainda precisa avançar).
O meio em que estamos inseridos, guarda o potencial imenso de nos restringir , quando não nos é oferecida a oportunidade que caiba dentro das nossas particularidades.
Mesmo assim, ele lutou com os meios que conseguiu, resistiu, sobrepujou suas dores o quanto pôde e trabalhou dignamente até alguns dias antes de falecer.
Sou muito grata por ter convivido com alguém que me deixou lições tão preciosas…
Uma das minhas melhores memórias de infância é da estante de livros que ele tinha, era tão rico aquele “universo”, tinha muitos assuntos: dos mais variados e imagináveis . Eu ficava horas vasculhando, abrindo cada um deles, foi um amor que descobri e decidi carregar para a vida.
Ainda criança, eu via meu pai vestir um equipamento, que parecia uma roupa com uma bota, da qual auxiliava ele a ficar em pé, eu achava o máximo, eu corria, pulava, acreditava que toda aquela parafernália faria ele voltar a andar, e que ele iria poder brincar comigo.
Essa esperança nunca se concretizou, os papeis foram invertidos, ele é quem muitas vezes precisou de cuidados e isso levou tempo para ser compreendido, levou tempo para entender que a minha vida e a da minha irmã não seriamcomo as das demais crianças.
De toda forma tive bons momentos ao lado do meu pai, especialmente depois de adulta, desfrutamos de instantes simples e agradáveis, que recordo com alegria e saudade, daqueles que não trocaria por nada e que desejaria reviver muitas vezes.
Recentemente assisti o documentário sobre a vida de Schumacher, onde seu filho ao final, relata que desde o acidente que o pai sofreu, todos os momentos e experiências que eles tiveram não acontecem mais, nem o mínimo, que considera injusto, gostaria de conversar com ele novamente e que abriria mão de tudo por isso.
Eu, o Mick Schumacher, o querido leitor, ou outra pessoa do outro lado do mundo, diante da morte ou diante de circunstâncias que a vida impõe, gostaríamos, ainda que ingenuamente, de sermos capazes de alterar o tempo e o espaço, para termos novamente junto de nós aqueles que amamos.
Nosso controle diante da vida só vai até a próxima curva, nunca sabemos o que de fato o destino esta tramando, não conseguimos prever quase nada, e ainda sim temos quase sempre a ilusão de que teremos outra oportunidade.
Aqui fica todo o amor ao meu pai, numa “carta” quedeveria ter sido escrita alguns anos atrás.