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A HISTÓRIA POR TRÁS DO TRILHO

Ferrovia foi fundamental para construção do molhe Norte. Crédito: Arquivo Público de Itajaí

COLUNA: Outros Quinhetos por Rogério Pinheiro.

Desde 2023, o centro de Navegantes recebe obras de reurbanização. No começo de junho deste ano, operários encontraram parte de um trilho durante as escavações para a obra de revitalização da praça localizada ao lado do ferry boat. O trilho é um resquício da via férrea que ligava os bairros Pedreiras e o São Pedro (Pontal). A pequena ferrovia foi usada nas primeiras décadas do século XX para transportar pedras para as obras do molhe Norte. A coluna “Outros quinhentos” conta essa parte da história de Navegantes, que aos poucos começa a ser desenterrada.  

Em setembro de 1880, o Vale do Itajaí foi atingido pela maior enchente que se tem notícia até hoje. O rio Itajaí-Açu chegou à impressionante marca de 17,10 metros. Um recorde nunca superado. A enchente fez desaparecer um pontal de areia que defendia as cidades da invasão do mar. O canal de acesso ao Porto de Itajaí se estreitou e isso prejudicou a navegabilidade de grandes embarcações.

Com os constantes encalhamentos e o acesso restrito de navios de grande porte, a Prefeitura de Itajaí buscou recursos para recuperação do porto e melhorias na barra. Os recursos foram aprovados em 1905 e as obras começaram no ano seguinte. Além da construção de trapiches e oficinas dos ferreiros, foram criadas duas pequenas ferrovias para o transporte das pedras.

Parte do trilho da antiga linha férrea foi encontrado no começo de junho. Crédito: Prefeitura de Navegantes

Não se tem registro da data em que os trilhos em Navegantes foram instalados. A primeira menção da via férrea vem da notícia de uma tentativa de suicídio publicada no jornal “Novidades”, de 26 de maio de 1912. Segundo o periódico, o dono de uma pensão em Navegantes tentou se matar no dia 22 de maio daquele ano. O comerciante foi até o fundo do seu quintal, perto da linha férrea, e disparou um tiro na cabeça. Felizmente, a bala se alojou no pescoço e o homem sobreviveu.

Nova enchente, guerra e uma pandemia atrasaram as obras

O projeto de melhorias do porto consistia na dragagem do rio Itajaí-Açu, reforço na margem esquerda e a construção de um espigão na margem direita do rio. Espigão é uma estrutura de pedras que avançam para o mar para reter sedimentos transportados pelo movimento das ondas e correntes marítimas. As obras contavam com duas locomotivas, 18 vagões, dois guindastes a vapor, um rebocador e três lanchas. Cerca de 200 trabalhadores foram contratados. Uma comissão municipal administrava os recursos federais e executava as obras.

As obras seguiram a passos lentos e o que ninguém esperava aconteceu em 1911. A segunda pior enchente já registrada no rio Itajaí-Açu devastou Itajaí e parte de Navegantes. Naquele ano, o rio chegou a marca de 16,91 metros. A correnteza do rio fez desmoronar 600 metros de área ribeirinha, aumentando o banco de areia na foz do Itajaí-Açu. O canal antigo foi desviado para onde hoje é a praia da Atalaia.

A Prefeitura de Itajaí teve que começar do zero para buscar recursos para melhorias do canal de acesso ao porto. A Segunda Guerra Mundial (1914/1918) e a pandemia de gripe espanhola (1918/1919) atrasaram ainda mais as obras. Em 1920, um novo projeto foi apresentado pelo engenheiro Edgard Gordilho, que previa a construção de dois molhes, um na margem direita do rio Itajaí-Açu e outro na margem esquerda.

Trabalhadores explorados e mais atrasos

O ano de 1927 marcou o reinício das obras. Um contrato foi assinado entre o Ministério da Viação e a Companhia de Mineração e Metalúrgica Brasil (Cobrasil) para as obras de melhorias do Porto de Itajaí. O espigão construído antes da enchente de 1911 foi demolido para a construção do molhe Sul. No dia 13 de agosto de 1927, o inspetor de obras do Porto de Itajaí, Edgard Chermont, anunciou que o molhe Norte estaria pronto em 1928. Não foi o que aconteceu, as obras atrasaram. 

Trabalhadores tinham parte dos salários descontados toda vez que se acidentavam, prática considera ilegal. Crédito: Arquivo Público de Itajaí 

De tão pequenas, as pedras extraídas eram jogadas à mão pelos operários do molhe de Navegantes. Sem uma base submersa, o espigão construído desmoronou e levou junto um guindaste. Segundo o jornal “O Pharol”, do dia 7 de março de 1928, o guindasteiro só não morreu porque estava precavido. Aliás, todos na obra sabiam que cedo ou mais tarde o espigão desmoronaria. 

O trabalho era considerado insalubre e perigoso, com diversas queixas por parte dos trabalhadores. Os acidentes não eram registrados pela empresa. Os trabalhadores precisavam acionar a polícia para garantir seus direitos. O trabalhador que se acidentava tinha descontado 20% do seu salário. Desde 1919, um decreto estabelecia a responsabilidade do empregador de indenizar o trabalhador ou sua família em caso de acidente de trabalho, além de pagar três anos de salários em caso de morte ou invalidez permanente.  

Um exemplo dessa prática abusiva por parte da Cobrasil aconteceu com o maquinista João Barcker. No dia 8 de março de 1928, Barcker manobrava uma locomotiva, quando feriu o pé depois que uma manivela se soltou. No dia seguinte, ao procurar o escritório da Cobrasil para avisar sobre o acidente, o maquinista foi despedido e soube pela empresa que o dinheiro que receberia seria usado para o conserto da locomotiva.

O acidente de João Barcker não foi um caso isolado. O trabalhador que quase morreu depois que o guindaste despencou no rio Itajaí-Açu foi suspenso e teve 20% do seu salário descontado por causa do acidente. A esposa de João Francisco Arsênio, outro acidentado, disse ao jornal O Pharol, de 10 de março de 1928, que recebeu também 20% a menos do salário do marido, que se encontrava internado no hospital Santa Beatriz, em Itajaí.

As reclamações surtiram efeito e a Cobrasil foi obrigada a tomar algumas providências para garantir a segurança dos trabalhadores. A primeira medida foi a abertura no dia 1º de maio de 1928 de um posto médico para os trabalhadores e seus familiares. Outra medida foi a contratação de um seguro de vida para os trabalhadores.

Mesmo assim os abusos da Cobrasil continuaram com os descontos feitos em vales e atrasos de salários frequentes. Em dezembro daquele ano, os trabalhadores decidiram entrar em greve depois de quase três meses de salários atrasados. A greve foi pacífica e terminou antes do Natal.

Também frequentes eram os acidentes. Não demorou muito para que a primeira morte fosse registrada. No dia 23 de agosto de 1930, um trabalhador morreu e 11 ficaram feridos depois que o vagão em que estavam colidiu com outro ao fazer uma curva. A tragédia foi noticiada pelo Jornal O Pharol, de 27 de agosto daquele ano.

Com a revolução de 1930, as obras foram paralisadas novamente. O novo governo suspendeu todos os contratos que a Cobrasil tinha depois de uma investigação apontar irregularidades nas licitações. Após quatro anos, a Cobrasil continuou a construção dos molhes de Itajaí e Navegantes.

No dia 16 de abril de 1940 aconteceu outra tragédia. Um operário que trabalhava na retirada de pedras na localidade Queimadas (bairro Pedreiras) morreu esmagado por uma rocha. Depois disso, não há mais registros de acidentes ou mortes nas obras. O molhe de Navegantes ficou pronto na década de 1940 e o de Itajaí nos anos 50.


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