fbpx

A GUERRA QUE TERMINOU COM UMA BRIGA EM NAVEGANTES

Casarão escalvados Navegantes

Desavença entre moradores do bairro Escalvados movimentou um jornal de Itajaí

Escavados, março de 1905. O então bairro de Itajaí não parecia nada com a atual pacata zona rural de Navegantes. O bairro possuía escola, fábrica, clube, uma população economicamente ativa, sendo a região mais populosa de Navegantes. Enquanto a região central de Navegantes era tranquila, o bairro Escalvados podia se gabar de ser bem movimentado e até demais. Possuía ainda uma vida noturna mais agitada que Itajaí.   

Também movimentada eram as páginas dos jornais que envolviam alguma notícia do bairro Escalvados. E tinha de tudo, furtos, assassinatos, acidentes, reclamações e notícias de guerras. Uma delas, a guerra entre Rússia e Japão era o assunto do momento entre os assinantes do jornal “Novidades”, que possuía um representante no bairro. Foi a guerra Russo-Japonesa o argumento que terminou uma desavença entre moradores de Navegantes em 1905.

riga entre moradores do bairro Escalvado que estampou as páginas do jornal itajaiense “Novidades” por quase dois meses. Foto: Ilustração publicada no jornal “O Malho” de 1905

A coluna “Outros quinhentos” conta a história dessa troca de farpas entre dois moradores do bairro Escalvados por causa de um suposto furto de milho em uma plantação. Por quase dois meses, os moradores trocaram acusações e apelaram para os mais diversos argumentos. Um deles foi a guerra travada entre Rússia e Japão. Esse conflito aconteceu por conta de uma disputa territorial pela China e Coreia (na época a Coreia não estava dividida entre Norte e Sul).

Já em Navegantes, o conflito começou quando Honorato Jacintho dos Santos, morador do bairro Escalvados, procurou o jornal Novidades, em Itajaí. Honorato usou as páginas do jornal para reclamar de um vizinho, o senhor Manoel de Souza, por invadir suas terras. Honorato acusou Manoel de furtar milho. A nota foi publicada na edição de 12 de março de 1905.

“Estando eu e minha família ausentes de nossa casa por dias apenas, apresentou-se o senhor Manoel de Souza com seus irmãos menores, invadindo nossos terrenos que já tinham sido demarcados e nos entregues. Justamente com um carro de boi, apanharam milho em nossa roça sem dar satisfação alguma, peço que outra não aconteça.

Escalvados, 18 de março de 1905.

Honorato J. dos Santos”.  

 Manoel de Souza leu a nota do jornal e, claro, não gostou. Ele escreveu uma resposta que foi publicada no jornal Novidades. Manoel admitiu a invasão, mas justificou que as terras onde estava a plantação de milho pertencia a sua mãe e não ao senhor Honorato dos Santos. O morador do bairro Escalvados chamou Honorato de invasor e o ameaçou caso ele insistisse em dizer que as terras eram dele. A defesa de Manoel de Souza foi publicada na edição do dia 2 de abril de 1905.

“Deparando na seção livre desta folha de 12 do corrente, uma publicação feita pelo senhor Honorato J. dos Santos, em que diz ter eu invadido e furtado milho de suas terras em que se acha esta roça. Venho declarar publicamente ser falsa tal alegação e que a roça está em terrenos de propriedade de minha mãe, tanto que foi demarcado judicialmente, como posso provar com documentos que possuo.

Por tanto fica assim desmentida tal publicação, e, ao mesmo tempo, aviso ao intruso Honorato, não tocar em uma só planta que está em nossas terras, sob pena de passar por alguma decepção.

Não seja intruso!

Itajaí, 26 de março de 1905.

Manoel de Souza”.

Ao saber da publicação, Honorato rebateu a acusação de ser um intruso com mais uma nota publicada no jornal Novidades, edição de 16 de abril de 1905. Com data de 8 de abril de 1905, Honorato disse que as terras não eram dele e sim de Bernardino Müller e o mesmo autorizou a plantar milho. Bernardino Müller era dono de casarão no bairro Escalvados, construído em 1890 e que hoje é patrimônio histórico de Navegantes.

“Venho afirmar minha publicação.

É falsa a alegação de que me chama de intruso o senhor Manoel de Souza, como diz que estas terras estão em propriedade de sua mãe. Está em terrenos do senhor Bernardino Müller e com autorização do senhor Müller fizemos a roça pelo rumo antigo judicial, que todos nós conhecemos e respeitamos. Nós não temos nada com os terrenos, temos é com a nossa plantação.

Se o senhor tem certeza que as terras eram de sua mãe, como não se opôs, que nada disso seria feito. Peço e aviso ao senhor Souza quando precisar de milho ou outra qualquer planta, peça, ou compre a seus donos. Não vá se prevalecer de uma vez que o dono esteja doente para fazer como fez no dia 18 de fevereiro.

Charge da guerra Russo-Japonesa publicada no jornal “O Malho” de 1905. Crédito: Jornal O Malho/Reprodução Biblioteca Nacional.

O senhor quer se defender ou desmentir minha publicação, mas não ficou desmentido, porque eu provo que o senhor apanhou milho em nossa roça. Entrou em nossa propriedade com um carro de boi e foi na roça do senhor José da Silva para fazer o mesmo. Só não fez porque não encontrou milho, se não faria o que fez na minha roça, pois não é bonito tocar no alheio.

Esta é a verdade.  

Escalvados, 8 de abril de 1905.

 Honorato Jacintho”.  

Manoel de Souza mais uma vez procurou o jornal Novidades, agora com tática de que a melhor defesa é o ataque. Para acabar com a contenda, ele fez referência a guerra entre russos e japoneses, que foi travada entre 1904 e 1905. Esse conflito aconteceu pela disputa entre os dois países por territórios na China e Coreia. O conflito marcou a ascensão do Japão como potência e escancarou a decadência do regime czarista que comandava a Rússia. A nota saiu na edição do 7 de maio de 1905.

“Esta parece que vai de Bernardo a Bernardo.

Preste atenção, senhor Honorato, no aviso que lhe fiz no dia 26 do mês de março passado por este jornal, que está querendo dizer que as roças estão todas em terrenos do senhor Müller. É verdade, mas não todas como o senhor alega e eu apenas só trato do lado que está em terrenos de minha mãe, não temos mais que justificar só olharmos para o antigo rumo que lá está e a pouco mais de quatro meses que foram todos muito bem aviventados em seus competentes marcos.

Na ocasião que entregamos também os terrenos a seu pai, o senhor deve bem se lembrar que junto com o seu irmão José assistirão a este serviço, como agora com as suas pantomimas quer iludir o público e chamar-me à ignorância para bem assim poder-me desmentir e tirar uma razão que está toda de meu lado? Pois, peço-lhe pela terceira vez que não leve mais o meu nome às colunas do jornal sobre este fim. Cuidado, porque se você é russo eu sou japonês, acomode-se porque será muito para a nossa conveniência escusado será de uma luva.

Manoel de Souza”.

O aviso surtiu efeito e a briga entre Honorato e Manoel terminou. Já a guerra Russo-Japonesa continuou e foi vencida pelos japoneses, que 40 anos depois, em 1945, pagaram muito caro por perder outra guerra, mas isso são outros quinhentos.


ATENÇÃO: Você não pode copiar o conteúdo
Direitos reservados ao Jornal nos Bairros