COLUNA: Outros Quinhentos. Por Rogério Pinheiro
Amado por uns, odiado por outros, o Carnaval começa nesta sexta-feira (9). Em Navegantes, a festa popular está com uma programação bem reduzida este ano e restrita a alguns shows musicais. Os tradicionais blocos carnavalescos e o polêmico Navegay estão de fora da programação mais uma vez. Não foram apenas os blocos e o Navegay que ficaram no passado. Com o tempo, muitos eventos ligados à festa popular foram esquecidos ou extintos na cidade, por exemplo, o concurso para escolha da Rainha do Carnaval e do Rei Momo, muito tradicional em Navegantes na década de 1940.
Embora não tenha registro oficial algum, as primeiras lembranças do carnaval dengo-dengo estão ligadas ao entrudo. A brincadeira conhecida como “jogo do entrudo” consistia em molhar ou sujar as pessoas que passavam pela rua com baldes de água, limões-de-cheiro, farinha e pó de café. Em Navegantes, os limões-de-cheiro eram feitos com sabão, cera derretida e modelados em limões ou laranjas. Depois eram cheios de água e farinha de trigo.
Foi com o entrudo que aconteceu a primeira polêmica do Carnaval brasileiro. A cada ano, a brincadeira ficava cada vez mais violenta e muita gente que não gostava do jogo era atacada pelos foliões. O entrudo virou caso de polícia e proibido no Brasil. Em Santa Catarina, uma lei de 11 de junho de 1869 vetava a brincadeira, classificando como contravenção penal. Além de uma multa, o infrator tinha os limões-de-cheiro apreendidos. Uma curiosidade dos limões-de-cheiro, é que eles foram substituídos pelo lança-perfume, também proibido em 1961.
Até a primeira década do século XX, os carnavais de Navegantes aconteciam em Itajaí. Os navegantinos comemoravam nas ruas do centro da cidade e principalmente nas sociedades Estrela do Oriente e Guarani, onde eram realizados os bailes mais concorridos. Na terça-feira de Carnaval acontecia a “terça-feira gorda”, o dia mais esperado da festa. A quarta-feira marcava o desfile do “enterro dos ossos”, quando os foliões faziam uma cerimônia bem-humorada para sepultar o Carnaval.
A partir da década de 1920, a festa passou a ser realizada em Navegantes. A primeira iniciativa surgiu com o Clube 1º de Janeiro, que é considerado o primeiro clube de dança de Navegantes. No final da década de 1920, foi fundada a Sociedade Ipanagé, que também desfilava em Itajaí. O único registro da sociedade é uma nota publicada no jornal “O Pharol” de 13 de fevereiro de 1932.
Ainda em 1932, no mês de maio, foi fundada a Sociedade Recreativa Almirante Tamandaré. A sociedade se originou de um time de futebol, que tinha como cores o vermelho, preto e branco. Também no mês de maio, mas em 1934, surgiu a Sociedade Sul América. Nas décadas de 1930 e 1940, as duas sociedades se tornaram rivais e seus bailes de Carnaval concorridos.
Também era muito tradicional no Carnaval de Navegantes o concurso para escolha da Rainha e do Rei Momo. A cerimônia de coroação marcava a abertura oficial da festa popular e contava com a participação dos moradores. Em 1949, Lucy Maia foi eleita a Rainha do Carnaval de Navegantes daquele ano, enquanto Frederico Medeiros foi coroado Rei Momo.
A era dos blocos
Os carnavais de salão fizeram sucesso na cidade durante boa parte do século XX, mas foi a partir dos anos 80, com a criação dos primeiros blocos, que o Carnaval de Navegantes se consolidou como um dos maiores de Santa Catarina. Os blocos eram reconhecidos em todo o estado e desfilavam em várias cidades da região. Seus criativos carros alegóricos chamavam atenção por onde passavam.
O primeiro bloco de Carnaval de Navegantes, o Estrelinha do Mar, foi fundado no Pontal em dezembro de 1982 pelo comerciante Manoel Mafra Filho (in memoriam). Léca, como era conhecido no Pontal, tinha um pequeno bar e nesse espaço organizava bailes de Carnaval. Já no primeiro desfile oficial de Navegantes, em 1983, o Estrelinha foi campeão.
Antes de se transformar em um bloco, o Acadêmicos de São Domingos era uma escola de samba, a primeira de Navegantes. A escola de samba surgiu na residência de Manoel Pedro de Souza, no bairro São Domingos, em 1980. Ainda nos anos 80, a escola de samba de Navegantes conquistou oito títulos seguidos no carnaval de Itajaí. Na década de 1990, o São Domingos virou um bloco.
Em 1982, Alcênio Antônio (in memoriam), a esposa Maria Leopoldina dos Passos e alguns amigos criaram o bloco “Ciganos do Amanhã”. Ainda na década de 1980, a família Passos deixou o comando do bloco para a família Santos, que o rebatizou com o nome de D´Amizade. No comando da família Santos, especialmente nas mãos de Elson Renato dos Santos (in memoriam), o Jacaré, e da esposa, Ilva Santos, o bloco se transformou em um dos maiores de Navegantes.
O rival do D´Amizade era o Cara & Coragem, que começou a sua trajetória em 1985, quando os casais Manoel e Sônia Demétrio, José Aroldo e Rosilene e José Xavier e Maria Ivanir decidiram criar um grupo para brincar o Carnaval. Depois de 1987, o bloco cresceu e quatro anos depois o Cara & Coragem já contava com 520 integrantes e sete carros alegóricos. O ano 1991 registrou também o primeiro título, de campeão do Carnaval de Itajaí, cinco no total (quatro em Navegantes e um em Itajaí).
Navegay
Na década de 1970, Vilma de Souza Dias e o esposo Claudiner Pinto Dias (in memoriam) moravam em Santos. Na cidade do litoral paulista era tradicional um bloco chamado “Dona Doroteia, vamos furar aquela onda”. Em uma viagem de férias para visitar a família de dona Vilma em Navegantes, surgiu a ideia de fazer um bloco igual ao de Santos. A primeira edição aconteceu em 1978.
Embora tenha nascido em Navegantes, as primeiras edições do “Navegay” aconteceram em Itajaí. Os foliões atravessavam o ferry boat e desfilavam nas ruas do centro de Itajaí. No entanto, apareceram as primeiras reclamações, principalmente de mulheres que trabalhavam no comércio, que eram abordadas de modo inconveniente pelos foliões. Com isso, o bloco passou a desfilar exclusivamente em Navegantes.
Na década de 1990, o Navegay começou a crescer com a participação de foliões de outras cidades. Nos anos 2000, o bloco de sujos de Navegantes ganhou projeção nacional e chegou a ter um público de mais de cem mil pessoas numa edição. O crescimento desordenado e a falta de regras fizeram o Navegay se distanciar do seu formato original. Junto com os blocos, o entrudo, a Rainha e o Rei Momo, Navegantes perde a cada ano uma parte da sua identidade cultural.