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O BLOCO QUE QUEBROU TABUS NO CARNAVAL DE NAVEGANTES

Desfile Bloco D Amizade 2013 por Eder Nascimento

Muitos tabus já caíram no carnaval de Navegantes e o bloco D´Amizade pode se orgulhar de ter contribuído para derrubar alguns deles. Foi o bloco D´Amizade o primeiro a reutilizar materiais recicláveis em suas fantasias. Foi também o primeiro a chocar o público navegantino ao levar para a avenida o nu artístico. Mas o bloco nasceu bem-comportado em uma residência do centro de Navegantes na década de 1980.

O ano era 1982 quando o casal Alcênio Antônio (in memoriam) e Maria Leopoldina dos Passos, a dona Vani, com alguns amigos, resolveram criar um bloco chamado “Ciganos do Amanhã” para brincar o carnaval daquele ano. Entre esses amigos que frequentavam a residência da família Passos, estavam Elson Renato dos Santos, o Jacaré (in memoriam), e sua esposa e futura carnavalesca, Ilva Santos, 69 anos. 

Grande vencedor do carnaval de Navegantes, o bloco D´Amizade não desfila desde 2013

– O bloco D´Amizade começou com um grupo de amigos na casa da família do seu Alcênio. Foi em 1982 e se chamava “Ciganos do amanhã”. Foi tão divertido e tão bonito que no ano seguinte mais pessoas quiseram participar. Depois ele virou bloco D´Amizade. Em 1982, só saíram dois blocos, o Estrelinha e o Amizade. O desfile foi na João Sacavém (avenida) – recorda Ilva.

Ainda na década de 1980, a família Passos deixou o comando do bloco para a família Santos.

– A dona Vani falou comigo se eu não tinha interesse. Aí eu falei com o Jacaré, ele aceitou e eu trouxe o bloco para a minha casa. Minha casa virou um barracão de escola de samba. Neste ano desfilamos em Itajaí – disse Ilva.

Depois que o bloco deixou a família Passos, o Ciganos do Amanhã mudou de nome e começou a se chamar D´Amizade. Em Navegantes, o então bloco do seu Alcênio passou a ser conhecido como o bloco do Jacaré. A jornalista Maila Santos, filha do Jacaré, conta o dia em que o bloco D´Amizade entrou na avenida com componentes nuas.

As fantasias eram feitas com material reciclável, por exemplo, embalagens de balas.

– Minha mãe fez um carro alegórico só com mulheres nuas, com os corpos pintados. Imagine isso em Navegantes? Sem nada, sem sutiã, sem calcinha, só pintura. Mulheres nuas pintadas, nu artístico. Foi o ano que a Beija-Flor ganhou com o carnaval do reciclado (1989) – relata.

Outro tabu que o bloco quebrou, segundo Ilva, foi reutilizar material que iria para o lixo numa época em que não se falava em lixo reciclável. Foi no carnaval de 1988. Um ano depois a escola de samba Beija-Flor desfilou também com materiais recicláveis.

– Antes a gente usava papel-alumínio, aquele papel de carne. Ganhamos um fardo de papel de bala, um lado era a propaganda da bala e o outro era prata. Com aquilo ali forramos os carros alegóricos, criava flores e coisas com aquilo. Daí a origem do Cara & Coragem dizer que era treta. Enquanto eles gastavam milhões, eu saía com papel de bala – dispara.

Mestre Sala e porta Bandeira do Bloco D Amizade no último desfile em 2013. Por Éder Nascimento

O auge do bloco aconteceu entre 1991 e 1992. No carnaval de 1991, o bloco D´Amizade saiu com 800 integrantes e sete carros alegóricos e foi campeão em Navegantes. Título esse que foi contestado pelo bloco Cara & Coragem, que alegou que o Amizade venceu pelo fato do presidente do bloco ser do mesmo partido do prefeito na época, Adherbal Ramos Cabral, o Deba (PMDB, atual MDB).

– O título foi merecido. O Deba nunca deu privilégio e ele nem gostava de carnaval. O Cara & Coragem era composto na sua maioria por pessoas do PP. Navegantes nessa época era praticamente dois partidos, PMDB e PP, ou PDS. De fato isso existia, mas não teve interferência na apuração. No nosso entendimento nunca houve – garante Maila.

Para Ilva, o bloco D´Amizade começou perder espaço no carnaval de Navegantes a partir do momento que o bloco Cara & Coragem começou a se profissionalizar.

– O carnaval era feito no amor, todo mundo era voluntário. Ganhava um recurso da prefeitura, fazia promoção, fazia jantar, ninguém ganhava nada. Cada um bordava sua fantasia, o dinheiro que ganhava comprava o tecido em São Paulo, fazia os desenhos e as fantasias – reforça.

Maila lamenta que o carnaval de Navegantes tenha se transformado em uma indústria.

– Começou o fim quando o Cara & Coragem inflacionou o carnaval, ficou muito caro. Todos os blocos começaram a perder componentes, todo mundo começou a reduzir. Deixou de ser aquela brincadeira do carnaval de Navega e virou a indústria do carnaval. A partir desse momento os blocos não conseguiram mais competir com o Cara & Coragem no dinheiro – explica.

O bloco do Jacaré

A história de Elson Renato dos Santos se cofunde com o bloco D´Amizade. Por mais de 20 anos, ele foi seu presidente e em Navegantes todos conheciam o Amizade como o bloco do Jacaré. Elson faleceu no sábado de carnaval de 2008 e com ele o bloco que tanto amava. Maila disse que o pai sentiu os primeiros sintomas da doença no barracão do bloco.

Jacaré foi o grande nome do bloco D´Amizade e seu presidente por mais de 20 anos

– Ele sentiu uma dor na vista e achou que era conjuntivite. Sábado de carnaval de 2007. Eu fui à farmácia, comprei um colírio. Na outra semana, ele foi ao médico porque aquilo não melhorou com o colírio. Ele começou a fazer o tratamento e descobriu que estava com câncer. Ele ficou um ano lutando contra a doença – lamenta.

Segundo a jornalista, depois de fazer o tratamento, o pai se curou em outubro de 2007. No mesmo mês, ele decidiu colocar o bloco na rua. Os planos do Jacaré foram interrompidos pelo retorno da doença em dezembro. Mesmo muito doente, ele chegou a ir ao banco pegar um empréstimo para o bloco poder desfilar.

– Ele queria que o bloco desfilasse no dia 2 de fevereiro, sábado de carnaval. Quando foi 11h, a Marli, que era uma das costureiras do bloco, ligou para mim e disse para avisar o Jacaré que estava tudo pronto. A enfermeira disse que a pressão dele estava praticamente zero. Aí eu segurei a sua mão e falei no ouvido dele: “Jacaré, a Marli ligou e todas as fantasias foram entregues e o bloco desfila hoje à noite.”. Ele apertou a minha mão bem forte, bem forte. Passaram assim uns dez a 15 minutos, ele soltou a minha mão e morreu – recorda Ilva.

Ilva, Alcênio e Jacaré no carnaval de 2007, que comemorou os 25 anos do bloco.

O bloco D´Amizade desfilou no sábado de carnaval, dia 2 de fevereiro de 2008, com o enredo que homenageava a Portonave. Na mesma noite, Jacaré foi velado na Câmara de Vereadores de Navegantes. Os componentes desfilaram com uma tarja preta no braço. Quando terminou o desfile, integrantes de outros blocos foram até a Câmara de Vereadores prestar uma última homenagem.

– A rivalidade ficava na avenida. Todas as baterias dos blocos, de todas as agremiações, começaram a tocar e a cantar. Quando acabou, eles saíram em fila, desceram a rampa e todos chorando foram embora. Ali deu para ver o tamanho do amor que as pessoas tinham por ele e pelo carnaval – concluiu Ilva.

Sem desfilar desde 2013, o bloco chegou a ser convidado para participar do carnaval de Navegantes deste ano, mas as conversas com os organizadores não avançaram. No entanto, existe a possibilidade que o bloco D´Amizade retorne em 2024.


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