No último domingo (20) foi comemorado o Dia da Consciência Negra. Para lembrar a data, a coluna “Outros quinhentos” conta a história do professor Manoel Ferreira de Miranda e seu pioneirismo na educação de Navegantes. No dia 26 de maio de 1909, Manoelzinho como era conhecido, começou a dar aulas na primeira escola do município, o Liceu Infantil, que era mantido pela Sociedade Escolar. O professor já dirigia desde 1906 outro liceu em Itajaí.
Natural de Itajaí, Manoelzinho era também escritor e jornalista, sendo o fundador do primeiro jornal diário de Itajaí. Negro, Miranda se destacou na educação de Navegantes e Itajaí apenas 21 anos após o fim da escravidão no Brasil. A notícia da criação da escola dirigida pelo professor Manoelzinho foi publicada na edição de 28 de maio de 1909 do jornal “O Pharol”.
“Lado Norte da cidade de Itajaí, 28 de maio de 1909:
Ilmo. Senhor Redator do O Pharol
Tenho a honra de comunicar-vos que nesta data foi organizada, no Lado Norte da cidade de Itajaí, uma associação denominada Sociedade Escolar, ficando assim eleita a diretoria para reger os destinos da mesma de 26 de Maio à 31 de Dezembro de 1909.
Diretor: João Gaya, secretário João Emigdio da Silva, tesoureiro João Cardozo Sacavem e assistente Manoel Moreira Maia.
Apresento-vos em nome da Sociedade, protestos de autoestima e consideração. Cordiais Saudações. O secretário João Emigdio da Silva.”
No dia 31 de dezembro de 1909, o mesmo jornal “O Pharol” publicou o resultado dos exames dos alunos matriculados no Liceu Escolar. Com a falta de professores, a escola fechou as portas no ano seguinte e os estudantes do então Arraial dos Navegantes tiveram que voltar a atravessar o rio para estudar em Itajaí.
“Quinta-feira, 23 do corrente, realizaram-se os exames no colégio da Sociedade Escolar, do Lado Norte desta cidade, dirigido pelo estimado e inteligente professor senhor Manoel Ferreira de Miranda.
Constituíram a banca examinadora o senhor João Gaya, chefe escolar, e as distintas professoras normalistas Exmas. Sras. dona Alzira B. Müller e Judith Duarte.
O resultado dos exames foi o seguinte:
1ª Classe – Aprovados com distinção e louvor: José Alexandrino de Souza; aprovado com distinção: Manoel Bruno Vieira, Malaquias José da Silva, José Perpétuo Dias, Manoel José dos Santos e José Domingos Pereira; e aprovados plenamente – José Gaya, gr. 9; João Baptista de Anísio, gr. 9; Joaquim de Goz Rebello, gr. 8.
2ª Classe – Aprovados com distinção: Heitor Pereira dos Santos; aprovados plenamente: Maria Carolina Soares, gr. 9, José Manoel do Nascimento gr.9, Tito Alves do Nascimento gr. 9, Lavina Medeiros gr. 8 e Juvêncio Francisco Capella gr.8.
3ª Classe – Aprovados plenamente: Temotheo de Goz Rebello gr. 8; Francisco Moreira Maia gr. 6; Mário Rodrigues Pereira gr. 6; Antônio Francisco Capella gr. 6.
4ª Classe – Aprovados simplesmente: Joaquim Estevan Couto, Annibal Gaya, Antônio Marcelino, Joaquim Medeiros, Celeste Moreira Maia, Estevilina Gaya e Alfredo Moreira Maia.
Recitaram poesias os seguintes alunos: José Alexandrino de Souza, Manuel Bruno Vieira, Malaquias José da Silva, José Perpétuo Dias, Manoel José dos Santos, João Baptista de Anísio, José Domingos Pereira, Heitor Pereira dos Santos, Tito Alves do Nascimento, José Manoel do Nascimento, Maria Carolina Soares e Lavina Medeiros.”
Décadas depois do Liceu Infantil, Navegantes ganhou outra escola, desta vez pública. A unidade escolar, que receberia o nome da professora itajaiense Júlia Miranda de Souza, foi fundada em 1947, mas essa é outra história.
Quem foi o professor Manoelzinho?
Manoel Ferreira de Miranda nasceu em Itajaí em 1873. Negro e descendente de portugueses, Manoelzinho começou sua carreira nos jornais semanários “O Pharol” e “Novidades”.
Com espírito empreendedor, o jornalista abriu seus próprios jornais. Em 1912, ele fundou a “Gazeta de Itajahy”, que circulou até 1914. Ainda em 1914, Manoel abriu o “Diário de Itajahy”, o primeiro jornal diário de Itajaí e um dos primeiros de Santa Catarina. Além de jornalista, Manoelzinho foi um destacado professor catarinense.
Um fato que marcou a vida de Manoelzinho aconteceu durante o Carnaval de 1912. Desfilando pelas ruas de Itajaí, o bloco “Cara Dura” foi alvejado por tiros de carabina disparados por policiais. O jornalista foi ferido e teve que amputar sua perna direita.
Além de Manoelzinho, um carpinteiro chamado Paulo também foi baleado. A ordem para os disparos partiu do juiz de paz de Itajaí, que se sentiu ofendido pelas críticas sociais que o bloco “Cara Dura” pregava em seus cartazes. O ataque dos policiais aos foliões ficou conhecido como “Carnaval Sangrento”.
Manoelzinho processou o Estado. Três anos se passaram e nem os policiais que atiraram e o juiz de paz que deu a ordem foram responsabilizados. Perseguido em Itajaí, o jornalista se mudou para Tijucas, onde fundou outro jornal.
Ele ainda seguiu carreira de professor no Norte de Santa Catarina, se mudou para o Paraná, onde fundou outro jornal até se estabelecer em definitivo em São Paulo, onde faleceu em 1939. Manoel Ferreira de Miranda era casado com Maria Murila de Miranda. Um dos de seus filhos, Gabino Ferreira de Miranda, seguiu a profissão de jornalista do pai, sendo proprietário de um jornal no interior de São Paulo. Gabino faleceu em 2015.