Por Rogério Pinheiro
A coluna “Outros quinhentos” desta semana traz a curiosa história da entrega do carnê do Imposto Predial Urbano de 1958, o atual IPTU. O erro no nome de uma rua de Navegantes deu o que falar e fez a Prefeitura de Itajaí emitir um pedido de desculpas aos moradores.
Em outubro de 1958, a Diretoria da Fazenda começou a entregar os talões do imposto nos bairros, entre eles Navegantes. A entrega seguia sem problemas até que os moradores da rua de Baixo, atual 26 de agosto, receberam seus talões. Invés de rua de Baixo, os impostos estavam endereçados para os moradores da “rua dos Velhacos”. Velhaco é uma palavra utilizada para aqueles que enganam os outros ou não pagam suas contas.
A reação dos moradores foi imediata. Alguns protestaram e outros procuram os jornais para reclamar da brincadeira de mau gosto. Um deles foi o Jornal Itajaí que publicou a indignação dos moradores da rua de Baixo na edição do dia 25 de outubro de 1958.
“A Prefeitura Municipal de Itajaí, ao extrair os talões de Imposto Predial de toda uma rua em Navegantes pôs simplesmente estas indicações como endereços dos contribuintes: ‘Rua dos Velhacos – Navegantes’. Não foi um caso isolado. Tivemos nesta redação mais de dez talões com o mesmo endereço. Passadas as eleições, podemos afirmar agora, sem demagogia: Não se trata de ‘rua dos velhacos’. Trata-se de toda uma zona de pescadores pobres que, certamente, encontram grande dificuldade em resgatar os impostos dos seus modestos casebres. Que não se justifica, em hipótese nenhuma, e que a Prefeitura, oficialmente, em avisos de lançamentos preenchidos e assinados, use uma denominação inexistente para ofender àqueles que não possam estar em dia com os seus impostos.”
A repercussão negativa fez a Prefeitura de Itajaí emitir uma nota publicada no mesmo Jornal Itajaí do 1 de novembro de 1958. Na nota, a Diretoria da Fazenda estava mais preocupada em isentar o prefeito Carlos de Paula Seára, o Lito Seára, eleito em 1955 pelo Partido Social Democrático (PSD), do que fazer um pedido formal de desculpas.
“A Diretoria da Fazenda, a fim de prestar púbico esclarecimento sobre o lamentável lapso verificado na oportunidade da expedição de avisos de lançamentos do Imposto Predial Urbano para determinada rua do bairro de Navegantes cumpre o dever de chamar a si integral responsabilidade pelo fato da indevida denominação dada popularmente conhecida como Rua dos Velhacos.
A Diretoria da Fazenda em se tratando de um órgão autônomo é responsável pela coleta de dados e elementos necessários a elaboração dos lançamentos de impostos devidos ao município, sem que tais elementos sofram qualquer ingerência do prefeito, o qual somente os aprecia em grau de recurso.
Infelizmente, o lamentável lapso decorreu na oportunidade da coleta de dados para o citado tributo, quando para controle interno desta repartição valeu-se o fiscal lançador das informações recebidas e esta denominação para uso interno serve apenas para identificação, por assim a mesma conhecida pela população daquele bairro, cuja origem não cabe nesta oportunidade apreciar.
Nunca, porém foi da mais leve intenção desta Diretoria ou mesmo da Prefeitura, usar desta denominação para a citada rua, no sentido de ofender os moradores ou munícipes nela residentes.
O senhor prefeito, tomando conhecimento do lamentável ocorrido, do qual nenhuma responsabilidade lhe cabe, determinou imediatas providências, para que fossem expedidos avisos de lançamentos em substituição aqueles que deram origem ao fato, bem como advertindo energicamente os responsáveis pelo ocorrido.
Portando, estando o prefeito isento de qualquer parcela de responsabilidade sobre o ocorrido e por dever de justiça, é que espontaneamente a Diretoria da Fazenda chama a si a integral responsabilidade do acontecido, sem que para isto tenha ela sofrido qualquer coação ou determinação por parte de sua Exma.
São estes os esclarecimentos que a Diretoria da Fazenda deseja prestar ao público em geral, especialmente aos residentes na citada rua, no bairro de Navegantes.”
A origem da rua dos Velhacos
Antes da emancipação de Navegantes em 1962, era comum as pessoas se referirem a avenida Antônio Sacavém (atual João Sacavém) como rua de Cima. Já a atual 26 de agosto na época era conhecida apenas por rua de Baixo. A via apelidada de “rua dos Velhacos” foi aberta para ser caminho por onde passava o trilho das vias férreas que levaram as locomotivas e os vagões com pedras para o aterro do molhe. Depois do término da obra do molhe, o caminho ficou aberto para os pedestres e carroças transitarem.
No livro “Notícias de Navegantes”, de autoria de Vera Estork, o historiador Edison d’Ávila conta que o apelido surgiu por conta de um comerciante da avenida Antônio Sacavém.
– A explicação que eu ouvi na época é que na rua de Cima, havia um comerciante forte de secos e molhados, que vendia a caderneta, no fiado para aquele povo que morava lá no Pontal, que era realmente uma população pobre de pescadores artesanais. Eles iam comprando na caderneta e se a pescaria, algumas vezes, não rendia tanto, eles não tinham como pagar a conta. Daí obviamente ficavam envergonhados de passar em frente da venda com a dívida que tinham e desviavam para passar pela rua de Baixo.
Segundo Edison d’Ávila, a confusão feita pela Prefeitura de Itajaí também foi usada politicamente.
– O Jornal Itajaí era ligado a UDN (União Democrática Nacional) e a matéria foi usada politicamente contra o partido do prefeito da época que era PSD. Tem esse lado político tem que ser olhar, mas o jornal tinha razão de noticiar porque o que a prefeitura fez foi lastimável — disse o historiador no livro “Notícias de Navegantes”.
Outra versão da história é contada pelo navegantino Lauro José Toledo dos Santos. Segundo ele, as pessoas que deviam no armazém de secos e molhados da avenida João Sacavém pediam para cortar caminho onde é hoje a rua João Emílio e não a 26 de agosto. Na época, as terras pertenciam ao seu pai, o comerciante José Silvestre Toledo dos Santos, o Zé Toledo.
– Essa rua não existia, era fechado. Tinha um cara na João Sacavém que se chamava Mário Gaya. As pessoas compravam no Mário Gaya fiado. Tinha alguns que ficavam devendo e para não passar pela rua, porque o Mário chamava, vieram pedir para o meu pai. Eles diziam que estavam devendo no Mário. É por causa disso que é a rua dos Velhacos – recorda.
Já no livro “O Navegantes que eu conto”, de Didymea Lazzaris de Oliveira, o armazém de secos e molhados pertencia ao comerciante João Emílio, que também ficava na atual avenida João Sacavém. Para evitar as cobranças do comerciante, as pessoas que deviam no armazém passavam onde é hoje a rua da Prefeitura de Navegantes, que recebeu o nome do comerciante João Emílio.